Pedro Peduzzi, Agência Brasil
“Enquanto a música contemporânea, inclusive
a erudita com a música eletroacústica, faz cada vez mais uso de aparatos
tecnológicos, o multi-instrumentista Hermeto Pascoal decidiu, novamente, fugir
dos padrões e lançou um DVD com 12 músicas feitas apenas com sons obtidos a
partir do corpo. Essa experiência, segundo o próprio músico – famoso por
transformar qualquer tipo de som em verdadeiras peças musicais – não implicou
limitação para o trabalho, até porque, argumenta, “o corpo é o instrumento mais
perfeito que se tem”.
“O corpo sempre foi um dos meus
instrumentos prediletos, apesar de o que mais aparece [em alguns dos meus
trabalhos] ser o uso de coisas não convencionais. Eu quis mostrar isso no DVD”,
disse o músico à Agência Brasil, referindo-se ao recém-lançado Hermeto
Brincando de Corpo e Alma. O formato escolhido foi o DVD para permitir que as
pessoas vejam cada uma das origens dos sons usados nas novas composições.
“Explorei muito as partes internas do
corpo. Há batidas feitas a partir do som do coração, assovios, sons do
intestino, da barba e da minha válvula mitral [válvula cardíaca que separa a
aurícula esquerda do ventrículo esquerdo], que dizia claramente a palavra
Nelma”, explicou. “[Essa experiência] foi uma busca pelos sons da aura”.
Uma das principais habilidades de Hermeto é
enxergar música onde ninguém vê. “Meu caminho foi o do som para as notas
musicais”, explica. “Por isso me assustei ao ver que só havia 12 notas [as sete
notas e suas variações, entre sustenidos e bemóis] em todas as músicas [já
feitas]”.
Hermeto lembra que, aos 50 anos, ficou
bastante angustiado com essa limitação. “Certa vez, na tentativa de fugir
disso, afinei uma viola caipira com cada corda em uma nota diferente. Apesar de
não ter dado para fugir das 12 notas, passei a entender que viemos aqui para
ser semelhantes e não diferentes dos outros. Em todas as partituras já escritas
são as mesmas notas, mas não está tudo igualzinho, como faz o computador.
Agora, você vê que lindo: criar sobre 12 notas 5 mil músicas, como eu fiz, e
não parar de escrever. [Nesse processo,] entendi também que meu professor é meu
dom e que, sem egoísmos, temos de valorizar cada vez mais as semelhanças”,
disse.
O multi-instumentista, no entanto, alerta
para não se confundir semelhança com cópia ou imitação. “Não se ensina a
compor; a criar. Compor é você tocar bem. Ao tocar uma melodia, mesmo que ela
não seja sua, você está criando algo sobre ela. Não podemos confundir
semelhança com imitação. Você pode fazer 2%, mas faça bem feito. Sem esses seus
2%, os 98% não funcionam”, ensina.
Tecnologia -Hermeto reitera a aversão que
tem à interferência que alguns aparatos tecnológicos exercem sobre a criatividade
musical, limitando-a ao invés de abrir novos horizontes. “Aparatos tecnológicos
são como esses produtos novos que aparecem por aí, como sabonetes, pastas de
dente. Em geral, quem cria não é músico e quem vende diz ser o que há de melhor
no mundo. Mas é tudo [apenas] para ganhar dinheiro”, diz.
“Tudo que tem ali [nos computadores] não só
já existe como tem até nome técnico. Máquina não cria nada e nem faz música.
Você pode até aproveitar o computador para ter facilidades, como fazer cópias,
escrever para orquestra ou transpor a pauta para diferentes instrumentos, mas
tudo isso só acontece a partir de um pensamento.”
Hermeto é contra rótulos musicais. Seja
para estilos ou para épocas. “A música do século 21 é [apenas] a que estamos
fazendo no século 21, porque música boa nunca tem época nem idade. Não está
limitada também aos instrumentos. Para mim, assobiar é tão importante como
tocar piano, flauta ou chaleira”.
Apesar de apregoar a fuga de padrões
musicais pré-estabelecidos, Hermeto ressalta a importância de se conhecer esses
padrões para poder evitá-los. “Claro que, para fugir do padrão, é importante
conhecer o padrão, mas padrão é como uma pedra para você dar uma topada e mudar
a rota. É natural haver semelhanças, mas não é legal coisas iguais. Se você pegar
um copo para ser focado por vários olhares, verá que cada um o enxerga de forma
diferente, por um ângulo diferente”, ensina este alquimista cuja genialidade
continua a mesma: transformar sons em música.”
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