“O cantor e compositor paraibano Herbert
Vianna, de 51 anos, é mais conhecido como o vocalista e guitarrista de uma das
mais importantes bandas do rock nacional dos anos 80, Os Paralamas do Sucesso. Mas
ele teve vários sucessos imortalizados na voz de cantoras como Maria Bethânia,
Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Fernanda Abreu, Kátia Bronstein, Érika Martins
(da banda Penélope), Negril, Ana Carolina, Marina Lima, Paula Toller (do Kid
Abelha), entre outras. São justamente essas canções que ele mesmo interpreta em
seu quarto álbum solo, “Victoria”, que é o primeiro nome da inglesa Lucy
Needham, mulher de Herbert falecida em 2001 no acidente aéreo que o deixou
paraplégico.
Não é à toa que todas as gravações possuem
em comum o fato de que foram feitas de modo bastante pessoal e intimista, e
retratam o amor com diferentes enfoques. Há desde registros a respeito dos
solitários, da explosão inicial da grande paixão e do momento final, com a
sensação de que, na verdade, se conheceu muito pouco a respeito do ex-parceiro.
A produção é de Chico Neves, que também toca minimoog, baixo, violão, teclados,
xilofone, sitar e efeitos.
“Não vejo nada / Mesmo quando acendo a luz
/ Não creio em nada / Mesmo que me provem certo como 2 e 2 / As folhas crescem
em nosso jardim / Pra te mostrar / Só pra te mostrar porque / Não há nada que
ponha tudo em seu lugar eu sei / E o meu lugar está aí”. Assim cantou Herbert
Vianna em 1992, em “Só pra te mostrar”, com Daniela Mercury, e que a interpreta
agora sozinho, abrindo o álbum. O tom intimista e de retrato cotidiano segue em
“Pense bem”, gravada originalmente por Negril e que agora conta com um gostoso
jogo de vozes: “Nada é exatamente como você aprendeu na escola / Se deixar
morrer / Nada traz o amor de volta / O orgulho não vai te servir / Eu não posso
e impedir”.
O solo cristalino da guitarra abre “Junto
ao mar”, que tem uma pegada bem Clube da Esquina e ficou conhecida com a banda
Penélope: “Salta aos olhos o azul / Eu nunca vi chorar / Teus olhos desta cor /
Frios como o mar / As ondas vêm e vão / Que horas são? / Eu nem vejo mais o sol
/ E o tempo não parou / Estranho é o amor / Quando já não está”. A doçura é
substituída por um tom mais raivoso em “Eu não sei nada de você”, uma das
poucas faixas conhecidas com o próprio Herbert: “E eu só quero dizer / Que eu
não sei nada de você / Mas eu quero dizer / Não sei muito de mim também / Os
dedos que apontam rumos / Senhores, juízes do valor / Não são os meus, eu já
não julgo / Não estou na sua pele, sua dor”. Esse clima reaparecerá em “Mulher
sem nome”, que parece misturar um rap com sonoridades mais psicodélicas.
A melhor gravação do álbum é “A lua que eu
te dei”, em função dos instrumentais delicados, dos jogos de vozes arrasadores
e da delicada e tocante interpretação de Herbert Vianna. Ou seja, foi dada uma
nova e arrasadora roupagem para o grande sucesso originalmente na voz de Ivete
Sangalo: “Posso te falar do sonho / Das flores / De como a cidade mudou / Posso
te falar do medo / Do meu desejo / Do meu amor”. Igualmente encantadora é
“Noites de sol, dias de lua”, conhecida pelo público mais alternativo com Kátia
B: “Existe ódio e encanto / Nesse teu rosto marcado / Sem disfarces, sem nenhum
romance / Sem o milagre esperado / Nos dias de sol, os que vivem sós / Sorriem
desesperados / Entre vertigens de cor”.
É tocante a gravação de “Pra terminar”,
conhecida com Ana Carolina, e que é um dos mais doces e arrebatadores retratos
de um romance que parece que nunca terá fim: “Pra começar / Dizer que o amor
chegou ao fim / Esqueça de me perguntar / Se ainda há amor em mim / Pra te
enganar / Escondo num sorriso a dor / Que sinto ao te ver passar / Na rua com
seu novo amor”. Preste atenção na paradinha e deslumbre um dos momentos mais
sublimes desse álbum ímpar. Depois disso, nada melhor do que o sambinha – não
há aqui qualquer tom pejorativo – “Penso em você”.
Num álbum tão forte, “Un Chanson Triste”
passa quase despercebida, sem merecer tal fim, mas abre espaço para outras duas
lindas canções: “Quando você não está aqui”, gravada originalmente por Maria
Bethânia; e o petardo “Canção pra quando você voltar”, composto em parceria com
Leoni e, primeiro, gravado por este como uma espécie de mantra budista: “Quando
o sol de cada dia entrar / Chamando assim por mim / Querendo me acordar / Vai
ter sempre alguém pra receber / Dizer pra esperar / Eu já devo chegar / Alguém
pra olhar a casa / E alguém que regue o meu jardim / Até quando eu chegar”.
“Vem pra mim” foi gravada originalmente
pelo RPM, mas aqui aparece com um delicado jogo de vozes ímpar na doçura,
abrindo espaço para talvez três das faixas mais conhecidas – “Nada por mim”,
parceria com Paula Toller, já gravada por Marina Lima e Kid Abelha; “Se eu não
te amasse tanto assim”, composta com Paulo Sérgio Valle e mega badalada com
Ivete Sangalo; e “Um amor, um lugar”, inicialmente um dueto de Herbert com
Fernanda Abreu, que termina com citação instrumental de “Something”, de George
Harrison, que foi considerada por Frank Sinatra a melhor canção de amor já
composta.
O álbum termina com quatro canções com
pegada blues – a romântica “Só sei amar assim”; o rock havaiano “Blues da
garantia”; “Sinto muito”, que retoma a candura; e “Derretendo satélites”, que
tem uma sonoridade metálica encantadora: “Falando absurdos / Sonhando muito /
Querendo vê-la / Derretendo satélites / Uma vez, dez, quinze, vinte, tanto faz
/ Não temos mais nada pra fazer / Estou aqui pensando em você / Deixando a água
correr / Provei o sal do mar, mostrei um terno / Provei um amor eterno”. Há, portanto,
inúmeras razões para considerar “Victoria” uma escolha certa e ficar ouvindo o álbum
mais de uma dezena de vezes, sem parar.”
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