É uma história de
profundo amor, certamente
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Redação, Correio do Brasil / Reuters
“Não haveria dupla de atores veteranos mais qualificada do que Emmanuele Riva, 85 anos, a musa de clássicos como Hiroshima, meu Amor , de Alain Resnais, e Jean-Louis Trintignant, 81 anos, intérprete do mítico Um Homem, Uma Mulher, de Claude Lelouch, para encarnar o casal que está no centro de Amor, de Michael Haneke.
É uma história de profundo amor, certamente. Mas o diretor austríaco, que assina o roteiro, não está neste mundo para fazer romances adocicados. Do que ele realmente quer tratar aqui é da dignidade da velhice e do direito de escolher a própria morte quando a saúde e a sanidade se esgotam.
Por esta abordagem sem concessões, característica que permeia todo o trabalho do diretor de A Fita Branca (sua primeira Palma de Ouro em Cannes, em 2009) e Violência Gratuita (1997), Amor não é, certamente, um filme fácil de assistir. Mas, como sempre, se o mergulho em suas histórias costuma render nós na garganta, habitualmente recompensa inteligências e sensibilidades adultas.
A última coisa que se procura aqui é um filme sentimental e foi essa a diretriz que o rigoroso cineasta passou aos seus atores, como contou Emmanuele Riva na coletiva de Cannes em 2012, festival onde o filme teve sua première mundial e iniciou um vertiginoso trajeto pelas principais premiações do mundo, começando ali pela Palma de Ouro (a segunda de Haneke) até as cinco surpreendentes indicações ao Oscar 2013, caso raro em se tratando de uma produção não-americana.
Há muito afastado do cinema (seu último filme como ator é de 2003, Janis and John) e dedicado ao teatro, Trintignant foi convencido por Haneke a voltar a atuar na tela. Ator de Ettore Scola, Dino Risi, Krzystof Kieslowski e todos os maiores de sua geração, Trintignant domina o filme simplesmente de modo magnífico, natural, doloroso, porque esta é a essência de seu papel. Ele confessou na coletiva que não foi nada fácil interpretar Georges. Depois do trabalho, ficou esgotado.
Numa história de aparente simplicidade, acompanha-se o cotidiano de um velho casal, Georges e Anne, levando adiante sua rotina num apartamento em Paris. O público é cativado pela normalidade de duas pessoas comuns, entretidas com as pequenas tarefas, das compras, da manutenção da casa, da atenção e da paciência com as manias há muito conhecidas um do outro.
Na primeira parte do filme, constrói-se muito solidamente essa ideia do ninho, da zona de conforto entre duas pessoas que de certo modo exclui tudo e todos, mesmo a filha (Isabelle Huppert, atriz habitual do diretor, em trabalhos como A Professora de Piano), que às vezes se introduz neste núcleo e tenta, geralmente em vão, interferir nas decisões.
A doença de Anne quebra este equilíbrio a dois. E se não há muitas surpresas na evolução de uma progressiva descida ao inferno, temperada por um profundo amor, o desenrolar das opções à frente deles é conduzido com grande respeito a tudo o que eles sempre foram. Nunca se instala, também, uma visão piedosa da velhice. Eles poderiam ter outra idade e ter pela frente outros desafios.
Mas, tanto para fazer as escolhas que fazem
os personagens, quando para realizar este filme, foi preciso coragem. Este é o
sentimento que, finalmente, compartilha também o espectador deste libelo pela
liberdade individual, ainda que na situação mais extrema.”
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