“Em O Capital (2012), Costa-Gavras acerta mais uma
vez. E reafirma seu mote: "Todo filme é político. Nada mais político do
que os filmes de super heróis."
Léa Maria Aarão
Reis, Carta Maior
Não foi difícil para o escritor francês
Stéphane Osmont, economista egresso dos altos quadros da banca europeia,
fazer o papel de oráculo quando escreveu a novela Le Capital, em 2004.
Assim como o economista americano, Nouriel Rubini, um ano depois, o autor de
festejados trabalhos de ficção (?) na área financeira (O manifesto e A
ideologia) previu a crise que se abateria pelo mundo, em 2008, com origem
na especulação desenfreada, nos Estados Unidos. Ele foi consultor financeiro e
conheceu bastante bem os bastidores das altas apostas com as fortunas sem
fronteiras.
Lançado no ano passado, O capital, adaptado para o cinema pelo cineasta Costa-Gavras (do célebre Z, de Estado de sítio, A confissão, Desaparecido e Music Box, muito mais que um crime entre outros; e agora em cartaz no Brasil há várias semanas) mostra o protagonista, o banqueiro Marc Tourneil interpretado pelo ator franco-marroquino, excelente, Gad Elmaleh, virando-se para a plateia e exclamando, cìnicamente, durante uma reunião com ávidos acionistas: ”Continuaremos tirando dos pobres para dar aos ricos neste jogo, meus senhores. Até que tudo isto exploda!”
A história pessoal da ascensão financeira de Tourneil no banco Fênix – é sempre bom lembrar: aquele que ressurge das cinzas -, e estruturada nos mais perversos jogos de poder, é o fio condutor para um passeio macabro pelos labirintos sujos do mundo do dinheiro, do poder, do sexo. Remete a Marx ao avesso – no título do livro e do filme - e ao “horror”, a que se referia, no seu livro seminal, Viviane Forrester, em 97 – O horror econômico.
Mais uma vez Costa-Gavras acerta, prosseguindo na sua obra de filmes ditos “políticos”. Quando o interpelaram porque só faz cinema político, ele respondeu: ”Não existe cinema político. Todo filme é político. Nada mais político do que os filmes de super heróis.”
Neste mais recente trabalho enxuto, preciso e eficiente, pontilhado das ironias de Osmont e do cinismo dos executivos, pelo qual alguns críticos não se entusiasmaram (acharam “esquemático”) Costa-Gravas reproduz algumas observações literárias à perfeição, nos tempos cinematográficos justos, sem pernosticismos, permitindo que qualquer espectador tenha acesso à trama. Exemplos de algumas das observações dos personagens: ”A moral do capital é deixar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres.” Ou: “Os estados democráticos não podem mais se livrar dos bancos que os asfixiam”. E mais: “Você é respeitado pelo salário que recebe e para tal é preciso possuir dinheiro.”
Outra delas: quando Tourneil responde, rindo, à sua mulher, no tom farsesco que permeia o filme, e prestes a decidir o seu futuro se aproveitando de um vácuo de poder: “Quem é o presidente neste momento? Quem está no poder? É uma piranha gorda chamada A Conjuntura.”
E a apologia da mentira, quando o banqueiro é entrevistado pela primeira vez, de supetão, durante uma mega festa organizada pela indústria de marcas luxuosas e se sai com esta: “O luxo é democrático! É um direito de todos!” Em seguida comenta, rindo, baixinho, também aqui para sua mulher: ”Agora aceito dar qualquer entrevista. A gente diz uma bobagem e pronto.”
O esquema é bastante conhecido, mas nunca é demais lembrá-lo. “Somos um bando de caçadores”, se autodenominam os grandes acionistas, em Miami, capitaneados pelo acionista mor do banco Fênix (outro excelente ator, Gabriel Byrne). Dizem os banqueiros franceses: ”Eles (referindo-se aos investidores dos fundos especulativos americanos) querem ganhos do capitalismo de caubói. Porque lá eles não têm empecilhos; não têm leis sociais como as nossas. Esses americanos adoram Paris, mas detestam a França”.
Depois de filmar a ditadura grega dos anos 60; o estalinismo na Europa Central; a tortura na aliança militar do Cone Sul (seu filme Estado de sítio não chegou a estrear em Washington e foi banido do Centro Kennedy porque seria “inapropriado”); os primeiros trágicos meses da ditadura chilena e os crimes de guerra do nazismo, agora, aos 80 anos Costa-Gavras mostra que está novo em folha, mordaz como de hábito - “A Europa se transformou em um grande supermercado”, observou recentemente – sempre ocupado em denunciar.
Esquemático? Ou ativista?
Certo é que a aliança com Osmont, de 55 anos, uma geração depois da sua, deu certo. Os dois trabalham juntos nos grandes assuntos do nosso tempo: as conseqüências nefastas da globalização, o massacre das demissões em massa, o desemprego; os mercados desregulados, os abismos entre ricos e pobres; os produtos tóxicos oferecidos pelos bancos.
Em mais um dos diálogos que mantém com a mulher (ela é um dos lados da sua consciência que o aguilhoa) Tourneil lembra duas coisas fundamentais. Primeiro: ”Neste mundo das finanças ninguém denuncia ninguém; é como na máfia”. Segundo: “Para que eu quero mais dinheiro? O que mais há além dele?”
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