"Como os ditos populares não conseguiram resistir à perda da ingenuidade e passaram a ser contestados
Menalton Braff, CartaCapital
A escola, como a conhecemos hoje,
para alguns críticos já está decrépita, mas prefiro pensar que esteja na
sua juventude. Estamos apenas a um tirinho de espingarda da Idade
Média, isto é, apenas alguns poucos séculos nos separam, e isso em
História não é grande coisa. Pois a verdade é que, na Idade Média,
quando as crianças ainda não se queixavam por ter de ir à escola nem
choravam para escovar os dentes, e era inexistente a necessidade de
conhecer o alfabeto e seus correligionários, os valores éticos eram de
transmissão oral. Os mais velhos transmitiam tudo que sabiam (e também
muito do que não sabiam) aos mais jovens. Muito da sabedoria popular,
como se costuma denominar esse tipo de conhecimento ingênuo da vida, era
veiculada pelos ditados populares. A leitura de textos medievais é rica
em exemplos dessas verdades.
Um amigo sentado a meu lado jogou sobre a mesa “Quem espera sempre alcança”. Os outros, em volta, fizeram silêncio, os olhos metidos pra dentro, que é onde se enxergam os pensamentos. Não esperei muito, porque o garçom já vinha trocando nossos copos, e retruquei com aquele Coronel, do Gabo, que esperou a vida toda em Macondo e nada alcançou. Alguns de nossos companheiros quiseram botar em discussão as questões de universal e particular, mas o tumulto não permitia considerações de lógica. Nem da maior e muito menos da menor.
Mais crítico do que os demais, o Adamastor, que não é muito chegado a madrugadas, enrugou a testa quando alguém disse que “Deus ajuda a quem cedo madruga”. Ele olhava para os lados como alguém que não entendeu o sentido do ditado. Mas não era nada disso, não. Seu espírito crítico é que lhe desenhava aquele ponto de interrogação no semblante.
Então começou a falar dos trabalhadores que, antes, bem antes de o sol nascer, já passam em ônibus lotados para a lavoura, para as indústrias, para o ganho do sustento. O neto, o pai e o avô vão juntos, presos ao mesmo destino de dureza e muitas carências.
Ante a perplexidade dos companheiros de mesa, ele arrematou: − Deus ajuda a quem cedo madruga, mas ajuda muito mais a quem não precisa viver do suor do próprio rosto.
E meu amigo gigante completou dizendo que os ditados, que durante séculos fizeram muitas cabeças, submetidos a uma crítica qualquer não conseguem resistir. Por isso, erguemos um brinde à perda da ingenuidade."
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