Matar muitos ninguéns: "Sniper Americano", de Clint Eastwood
"Eastwood
sabe filmar as pessoas na guerra. No caso da guerra do Iraque, desistiu
da qualidade do seu cinema. Que pena.
Clint Eastwood, ator mediano de filmes medianos, mas cujo charme ingênuo (a “trilogia dos dólares” no texto_detalhe spaguetti de
Sergio Leone, “Por um Punhado de Dólares”, 1964, “Por uns Dólares a
mais”, 1965, e “O Bom, o Mau e o Feio”, 1966) ou cuja violência policial
num mundo sem lei (“Dirty Harry”, 1971, “Magnum Force”, 1973, “Sem Medo
da Morte”, 1976, “Impacto Fulminante”, 1983, “Dirty Harry na Lista
Negra”, 1988) lhe criou uma fama persistente, é hoje uma das figuras
dominantes de Hollywood.
Como realizador, e por vezes como
protagonista dos seus próprios filmes, Eastwood tornou-se mesmo um dos
grandes da história do cinema. Teve aliás a elegância de tratar o seu
próprio passado com humor (o justiceiro e a emigração em “Gran Torino”,
2008), em representar o seu próprio envelhecimento e em tratar temas
difíceis como a eutanásia (“Menina de Ouro”, 2004). Nada lhe era
impossível.
A desilusão de “American Sniper” só pode ser medida
em contraste com esta carreira notável. É certo que Eastwood, ele
próprio republicano e com convicções radicais de direita, ficou
incomodado com a leitura pró-guerra que foi feita sobre o seu filme,
porventura quando uma figura como Todd Barnes, na televisão Fox, pediu a Jesus que agradecesse a Chris Kyle, o sniper, porque matou tantos muçulmanos. Howard Dean, ex-governador democrata de Vermont, pelo contrário, viu no filme as ideias do Tea Party. Eastwood, em resposta, quis descobrir aspectos anti-belicistas no filme. É pouco convincente.
Só
que esse não é o problema do filme. É que, como filme de um confronto
militar, “American Sniper” não tem espessura, porque a sua guerra é uma
encenação sem pessoas. Chris Kyle é um herói sem arrependimentos, sem
sobressaltos, que só conhece perturbações na sua vida familiar, mas
nunca quando mata. Tudo lhe é indiferente, excepto os raros momentos de
hesitação no gatilho. O verdadeiro Kyle nem era assim, achava que “it was fun” quando acertava nos seus alvos.
Eastwood radicaliza esta desumanidade, ao apresentar os árabes como seres grotescos e inanimados ou, pior ainda, ao filmar em slow motion a bala que mata o atirador sírio, o ex-campeão olímpico que era o seu antagonista misterioso.
Ora,
Eastwood já tinha filmado a guerra com pessoas - que sofrem, que estão
ansiosas, que são excepcionais e medíocres na vertigem da morte: nos
dois magníficos filmes que são as “Cartas de Iwo Jima” (2006) vimos os
dois lados, os japoneses e os norte-americanos, e a humanidade era essa
impossibilidade que a guerra escreve com sangue. Ele sabe fazer, como
mostrou ao filmar a Segunda Guerra Mundial. Mas no caso da guerra do
Iraque desistiu da qualidade do seu cinema."
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