"Um casal prestes a comemorar um importante aniversário de casamento entra em crise quando o marido recebe notícias inesperadas sobre uma antiga namorada. Tentando esquecer o assunto, os dois bebem vinho e conversam. Quando vão para o quarto, acabam transando.
A sequência se passa no filme 45 Years (ainda sem título em português), do diretor britânico Andrew Haigh, cujos protagonistas receberam o Urso de Prata de melhor atuação no Festival de Berlim deste ano e que estreia na Grã-Bretanha nesta sexta-feira.
O que chama a atenção nessa cena de sexo é o fato de o casal, formado pelos atores Charlotte Rampling e Tom Courtenay, estar entrando em seus 70 anos.
"Essa cena é absolutamente crucial para o filme", define o diretor Haigh. "Mas é engraçado o silêncio estranho que eu noto nas exibições, porque o público pensa que quando a personagem de Charlotte fecha a porta do quarto, está tudo encerrado. Mas não, nós continuamos a filmá-los."
Motivo de piada
Até alguns anos atrás, filmes mainstream que mostrassem qualquer tipo de relacionamento entre idosos eram uma raridade. Até que Michael Haneke fez Amor, em 2012, e ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro e a Palma de Ouro em Cannes. Na mesma época, surgiram outras produções em torno do tema e que agradaram multidões, como O Exótico Hotel Marigold e O Quarteto.
Mas, enquanto é possível que septuagenários se apaixonem, as câmeras nunca se intrometem em qualquer consumação – transmitindo a mensagem de que o ato sexual entre eles simplesmente não é possível.
"45 Years é um filme maravilhoso, que mostra esse casal mais velho como indivíduos interessantes, antenados com o mundo, tendo uma vida social intensa. Então, é natural que eles também sejam ativos sexualmente", afirma Wendy Mitchell, editora do jornal Screen International, voltado a profissionais da indústria cinematográfica.
"É importante que a cena de sexo entre eles seja realista, e não glamourosa ou forçada. Mas também é crucial que a cena não seja motivo para risadas, porque idosos não transam para fazer graça."
No entanto, é com comédias que Hollywood tenta lidar com amantes de idade mais avançada. No filme Alguém Tem Que Ceder, de 2003, os protagonistas, vividos por Diane Keaton e Jack Nicholson, têm uma cena de sexo. Mas há uma piada no fato de o personagem dele – um homem geralmente interessado em garotas mais novas – ter que usar Viagra.
Outra comédia, Simplesmente Complicado, de 2009, deixa a ativa vida sexual do casal Meryl Streep e Alec Baldwin praticamente fora das câmeras. E um detalhe: Baldwin, Streep e Keaton tinham pouco mais de 50 anos nas filmagens – não eram exatamente idosos.
Meryl Streep também coestrelou com Tommy Lee Jones na comédia romântica Um Divã para Dois (2012), sobre uma mulher que tenta trazer a magia de volta ao casamento e ao sexo com o marido.
O sexo dos avós
"De maneira geral, gostamos da ideia de que ainda podemos fazer sexo até ficarmos velhos, mas não queremos ver os detalhes", diz Marco Weijers, editor de cinema do jornal holandês De Telegraaf.
Andrew Haigh tem sua própria teoria sobre por que o público reage com choque e até repulsa. "A visão deturpada que temos vem de quando somos jovens e nossa primeira relação com idosos costuma ser com nossos avós. A maioria dos avós não fala de sexo, então não percebemos que eles tenham desejo ou necessidade de transar".
Já Rebecca Jones, especialista em sexualidade de idosos da Open University, na Grã-Bretanha, acredita que o ser humano tem "uma falha psicológica, que nos faz recuar quando pensamos em nossos pais ou avós fazendo sexo".
"Seria natural pensarmos que todos nós vamos envelhecer, mas estamos tomados pelo padrão da beleza jovem e pela ideia de que o melhor sexo é aquele entre pessoas com 20 e poucos anos", afirma Jones.
Preconceito antigo
A rejeição ao desejo sexual depois da meia-idade em algumas culturas existe desde a Antiguidade. Na comédia Assembleia de Mulheres, de 391 a.C., o dramaturgo grego Aristófanes narra como mulheres tomam conta do Parlamento ateniense e aprovam um decreto obrigando os homens que quiserem transar com jovens a primeiro fazer amor com uma mulher mais velha.
Em 1387, o escritor britânico Geoffrey Chaucer relatava em um de seus Contos da Cantuária a história de um idoso que acreditava que poderia satisfazer sua jovem esposa. É uma trama que ainda vemos por aí, apesar de no cinema os homens mais velhos terem uma vida mais fácil do que as mulheres.
A repulsa que o corpo de uma mulher mais velha pode provocar na sociedade é vista claramente em Ensina-me a Viver, de 1971, um filme de Hal Ashby feito no auge da era hippie. Harold, um jovem obcecado pela morte, conhece Maude, de 79 anos, em um funeral. Ele se encanta pela maneira como ela vive tudo intensamente, mas ouve de um padre: "A ideia do seu corpo jovem e firme se entrelaçando com as carnes murchas dela... me faz ter ânsia de vômito".
Mais recentemente, em 2003, a atriz Anne Reid, aos 70 anos, causou espanto quando sua personagem seduziu um jovem Daniel Craig no filme britânico Recomeçar.
Europa mais ousada
"O cinema europeu continental sempre foi mais explícito em relação a isso do que as produções britânicas", afirma. Bons exemplos recentes são Fanny Ardant, em Os Belos Dias, envolvendo-se com um homem 20 anos mais novo; ou Catherine Deneuve e seu amante no road-movie Ela Vai. Ambos são de 2013.
Mas, para o editor Marco Weijers, até mesmo a indústria cinematográfica europeia, tida como mais experimental e vanguardista, tem dificuldades de mostrar cenas de sexo em que os dois atores são idosos. "Temos o alemão Cloud 9, de 2008, que é bastante explícito ao mostrar amantes com mais de 60 anos. E um documentário holandês do ano passado que mostra gente dessa idade ou mais velha e que tem uma vida sexual ativa. Mas é só", diz.
Será que a geração baby boom, que espera mais de suas vidas do que as gerações passadas, pode reverter essa situação? Talvez. Afinal, Liam Neeson e Helen Mirren, que têm mais de 60 anos, ainda são considerados bonitos e atléticos o suficiente para estrelarem filmes de ação. E Meryl Streep é uma roqueira sexy em sua mais recente aparição, De Volta para Casa.
Mas será preciso que algum deles faça algo mais picante para que o público aceite ver corpos mais velhos nas telas?"
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