“Como
Cultura ressignificou, em dez anos, os subúrbios. Por que movimento precisa
mostrar que sua importância vai muito além do social
Antonio Eleilson Leite, Literatura
Periférica / Outras Palavras
Desde a década de 1990, quando o Movimento
Hip Hop consolidou-se na periferia de São Paulo e na maioria das cidades da
Região Metropolitana, surgiu uma cultura com características próprias. Sua
expressão traduz este espaço social suburbano, com toda a complexidade de suas
comunidades. Uma cultura que afirma positivamente uma região ainda hoje
estigmatizada pelo quadro de pobreza e violência. Uma arte que vem
ressignificando o próprio conceito de periferia, a partir de uma nova noção de
pertencimento. Ela identifica artistas portadores de uma estética original.
Seus contornos podem ser observados especialmente na produção literária que se
expandiu, nos últimos dez anos, por toda a periferia paulistana. Ao observar a
literatura que surge daí, percebe-se de forma nítida a busca de um
desenvolvimento estético para as criações.
Essa atenção com os aspectos estéticos, tão
evidente na literatura, é fundamental e necessária. A cultura da periferia goza
de um reconhecimento que se apoia principalmente na dimensão ética. É valorizada
como resistência, dadas as condições adversas que assolam os bairros mais
afastados do centro. Isso confere uma visibilidade importante, mas confina a
produção artística no campo unicamente ideológico, retirando-lhe a possibilidade
de ser apreciada também por sua qualidade artística.
Abordar a literatura com rigoroso foco na
produção estética permitirá identificar alguns parâmetros de análise
necessários para entender uma cultura emergente, em um contexto social de
pobreza, conflitos e disputas. O estudo de livros publicados por autores da
periferia, em comparação com uma linhagem de autores reconhecidos, pertencentes
às tradições literárias das quais a literatura periférica é tributária será o
caminho que percorrerei por meio dos textos que publicarei nesta coluna.
Os livros aqui observados não serão
tratados como objetos desvinculados da realidade e sim como produto de práticas
culturais. Porém, as criações literárias estarão no centro da reflexão, até
para não correr o risco de a prática cultural da qual são originárias, diluir
sua importância como produto artístico.
O
literatura periférica na tradição do hip hop
A visão sobre periferia que prevaleceu até
a década de 1990 caracterizava-a como área urbana homogênea, marcada por alta
densidade populacional, baixa renda, elevados índices de violência e
precariedade urbana. Este olhar criou um estigma, resultado de segregação não
apenas geográfica, econômica e social – mas também cultural. Nas bordas da
metrópole reside o abandono. Em um lugar onde os serviços básicos como
saneamento, saúde, educação, moradia e transporte são escassos, equipamentos e
políticas culturais eram (e ainda são em muitas regiões) praticamente
inexistentes.
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