“Recuperar a figura do pai ausente num
filme que peca pela superficialidade é a armadilha onde sucumbem personagens
que tentam desvencilhar-se da dor do abandono
“Somewhere” (“Um Lugar Qualquer”), o premiado filme de
Sophia Coppola, é sobre os bastidores da vida de um ator célebre (Stephen
Dorff, no papel exemplar do paspalho que parece ser), dividido entre festanças,
entrevistas, premiações, viagens e eventos variados. A matéria-prima de um
cinema de espetáculo, que por motivos misteriosos atrai multidões. Não há
dúvida que é uma representação do pai ausente de Sophia, o gênio Francis Ford
Coppola, que carregava os filhos pelos hotéis afora enquanto fazia
obras-primas. Não tinha tempo para a família, mas até hoje paga o tributo, já
que precisa render-se à sua vocação de italiano, apesar de ser essencialmente
um americano (aquele tipo que expulsa os filhos de casa mal saem da puberdade).
Ele é a presença constante dos filmes da filha, que já nos deu grandes obras
como “Lost in Translation”.
Para onde leva esse cinema que dá voltas sobre si
mesmo? Para o vazio ou para gestos pretensamente libertadores (por que, em vez
de abandonar sua Ferrari no deserto depois de fechar a conta no hotel de luxo,
o bobalhão não me dá as chaves do carro e do apartamento enquanto ele torra no
solaço? Ora, porque tudo não passa de ficção da pior qualidade). Trata-se de
uma denúncia ou de uma entrega? Acho que as duas coisas. Sophia já tinha
escrito um conto de fadas da menina que era filha de pais separados ricos e a
deixavam vivendo com um mordomo num hotel (“A Vida sem Zoe”, episódio dirigido
pelo pai na obra coletiva de “New York Stories”). “Lost in Translation” também
se passa num hotel. Ou seja, ela não sai do reduto onde foi criada.
Um hotel é o lugar que causa alegria na chegada, mas
logo em seguida dá vontade de partir, disse Sophia numa entrevista. Só que ela,
pelo menos no cinema, sai de uma suíte para outra. O que a prende é a memória
de um incesto não consumado. Um pai jovem e magro vive com uma garota de 11
anos (Ellen Fanning, fazendo filmes desde bebê) que, ao contrário dos amores
fortuitos que desfilam na cama paterna, cozinha e prepara refeições no
capricho. Espécie de fantasia adolescente com um homem mais velho, a relação
mantem-se no nível do compartilhamento de futilidades, como tomar sol na
piscina ou pedir todos os sorvetes na madrugada.
Não significa que haja perversão. É pura fantasia da
memória, uma maneira de Sophia revisitar seus fantasmas, enquanto projeta uma
visão crua da profissão familiar. Ela pertence a uma linhagem do grande cinema
e já provou ser cineasta de primeiro time. Mas “Somewhere” peca pela sedução do
vazio que tenta denunciar. No fundo, é uma celebração, pois a maior parte do
filme é a curtição prazerosa de uma vida mansa e sem obstáculos. Os conflitos
são fortuitos: mensagens no celular de um relacionamento que cobra sem
aparecer; ou o choro sem sentido para a ex, confissão sem maiores consequências
e sem o mínimo de credibilidade.”
Um comentário:
E bonita...
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