Bob Esponja e o lado abrasivo do mundo


(foto: Kara Walker)

 Cynara Menezes, Socialista Morena

Por força das circunstâncias (dois filhos com enorme diferença de idade), estou assistindo Bob Esponja pela segunda vez na minha vida, o que é ótimo porque acho hilário, além de muito inteligente. Sobretudo pelos sutis trocadilhos visuais, misturando desenho e película.

Lembro que em uma das primeiras vezes que assisti, na época do mais velho, tive uma grata surpresa. Estava ali eu, distraída no sofá vendo desenho com o guri, quando de repente, no finalzinho, quem aparece? Jim Jarmusch e John Lurie, pescando! Daunbailó é o filme de culto da minha geração, todo mundo adora. Ver o diretor e um dos atores fazendo uma ponta em Bob Esponja foi o máximo. (Clique aqui para ver a cena).

Óbvio que desde então me tornei fã de Bob e de seu amigo Patrick, a estrela marinha. E outro dia, com o caçula, estava de novo no sofá vendo desenho quando passou um episódio sensacional: “O lado abrasivo de Bob Esponja”. Para quem nunca viu, Bob Esponja é uma esponja do mar, mas em forma de bucha de pia. É um serzinho tão bacana e doce que correram até rumores de que fosse gay.

Pois bem: neste episódio, Bob Esponja está de saco cheio de não saber dizer “não” e resolve comprar, pela TV, um lado abrasivo portátil, que cola nas costas. Ou seja, se transforma numa bucha de pia daquelas com a parte grossa, pra esfregar gordura, sabe? E então, a cada vez que quer dizer “não” para alguém, simplesmente se vira e mostra o lado abrasivo, que é super-bravo, claro. Jekyll e Hyde, o médico e o monstro, em forma de esponja do mar/ bucha de pia. Incrível. Infelizmente não tem no youtube, só achei a canção, em inglês:


Mas por que eu estou falando de Bob Esponja? Porque no começo deste ano, a sargento Kimberly Walker, de 28 anos, foi encontrada morta num motel do Colorado, em um quarto com pétalas de rosa espalhadas pelo chão. Havia sido estrangulada e espancada até a morte. O suspeito: seu namorado, o também soldado Montrell Mayo. Era dia dos Namorados nos EUA, 14 de fevereiro. Kim sobreviveu ao Iraque duas vezes. Morreu vítima de violência doméstica.

Ontem, correu o mundo, como uma anedota, a notícia de que um cemitério de Cincinati removeu a lápide em forma de Bob Esponja no túmulo da moça. Sua irmã gêmea Kara, também militar, contou que ela tinha vários objetos com o personagem. A família, certamente para tentar dar um toque de ternura à morte estúpida de Kim, quis homenageá-la com seu desenho favorito. E qual é afinal o problema numa lápide com Bob Esponja?
(Kim)

No final do desenho, Bob desiste de ter um lado abrasivo e continua a mesma esponja fofa de sempre. Será que Kim, sendo soldado numa guerra que não era dela –a maioria dos afro-americanos era contra a invasão ao Iraque–, tinha um lado abrasivo? É possível, todos nós temos, de uma forma ou de outra. Mas ela também tinha um lado que amava o Bob Esponja. O lado abrasivo, no caso, quem teve foi o mundo, primeiro com guerras, depois com pessoas que matam outras supostamente por “amor” e por último com gente que não quis algo alegre num cemitério.

Pobre Kim. Pobre Bob Esponja. Pobres de nós."

Nenhum comentário: