Rafael Teodoro, Revista Bula
'Recentemente, o jornalista Euler de França Belém, ao elaborar uma lista
com sugestões de livros para o Natal, defendeu a tese de que bons livros
são, na verdade, “diamantes para o cérebro”. Acredito que essa premissa
— com a qual concordo inteiramente — possa ser estendida também para o
cinema. Talvez com muito mais razão para o cinema, forma de expressão
que, posto que goze de amplo apelo popular, tem perdido progressivamente
a pretensão do “fazer artístico”, a privilegiar-se a lógica da produção
em escala industrial de blockbusters. Com isso, cada vez mais temos
cinéfilos autodeclarados que desprezam a leitura da Pauline Kael (às
vezes, nunca ouviram falar dela), mas não hesitam em cultuar bobagens
infantis. O resultado é o declínio da inteligência do público que,
perdido no meio de tantas referências esparsas, ou simplesmente
influenciado por críticos de cinema de pouca credibilidade intelectual,
passa a absolver a pobreza narrativa fílmica, entretido com efeitos
especiais mirabolantes, muitos dos quais a causar uma sutil, porém
agressiva, paralisia cerebral.
Essa introdução serve para justificar a presente lista. Trata-se de
uma tentativa de orientar o leitor da Bula — por certo, alguém que preza
pelo que há de mais refinado no campo da cultura — no mar de
referências cinematográficas. Como sói acontecer, a lista é estritamente
pessoal: ela elenca obras que agradam ao meu gosto estético na arte
cinematográfica. Basta pensar que, tivesse outro autor assinado a lista,
as referências decerto mudariam (talvez ele viesse a público afirmar
que “Curtindo a Vida Adoidado”, do diretor John Hughes, é superior aos
filmes do Godard, opinião que eu nunca endossaria). A lista também é
limitada: são apenas 15 filmes, o que incontornavelmente deixará de fora
muitas obras relevantes (inclusive procurei misturar obras canônicas,
sempre referidas, a outras mais atuais, como sugestões incomuns ao
leitor da Bula). O que importa é que são quinze bons filmes que, da
mesma maneira que os bons livros, podem muito bem servir como generosos
diamantes para o cérebro.
A Felicidade Não se Compra, de Frank Capra
O mais belo filme de Natal de todos os tempos. Essa é uma definição
perfeita para “A Felicidade Não se Compra”. Mas o filme de Capra vai
além. Filmado em 1946, é um retrato do apogeu estilístico da “Era de
Ouro” de Hollywood, quando os filmes eram feitos para enaltecer as
qualidades morais do indivíduo, além de elevar a autoestima da
população. A fábula da cidade de Bedford Falls, do homem que é visitado
por um anjo ao bater as portas do suicídio, é um daqueles casos raros em
que um filme é capaz de salvar vidas.
Era Uma Vez em Tóquio, de Yasujiro Ozu
Filme que assinala a maturidade artística de um dos maiores cineastas do
século 20, o japonês Yasujiro Ozu. Com sua câmera parada, Ozu tinha a
pretensão de captar a vida em sua fluidez natural. Nascia a estética do
anticinema, oposição à grandiloquência hollywoodiana. O resultado é um
filme lento (talvez o mais lento da história), a contar a saga do casal
de idosos que viaja a Tóquio para rever seus filhos. E é exatamente esse
compromisso inarredável com os detalhes que torna tão importante
resgatar o cinema de Ozu: como estamos a viver na era da modernidade
líquida (BAUMAN), no bojo da qual a velocidade fragiliza os laços
humanos, a lentidão narrativa de “Era Uma Vez em Tóquio” contraria o
porvir, a configurar-se num invulgar ato de resistência do artista (que
enfrenta as pressões estéticas do seu tempo) e do público (que assim
demonstra seu amor à potencialidade narrativa do cinema)."
Artigo Completo, ::AQUI::
Um comentário:
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