Clara Bow: A primeira 'it girl' do mundo


'O que é uma "it girl"? Segundo o Dicionário Oxford, é "uma jovem que se torna famosa por causa de seu estilo de vida".



Hoje em dia, muitas jovens são chamadas de "it girls" simplesmente porque têm uma montanha de dinheiro e frequentam inúmeras festas.

Mas a primeira "it girl" que corresponde à descrição do dicionário foi uma das mais bem-sucedidas e revolucionárias estrelas do cinema mudo: Clara Bow. Quando ganhou o título, ele tinha um significado completamente diferente.

Bow nasceu em 1905 no distrito do Brooklyn, em Nova York, no que seu biógrafo, David Stenn, define como "a mais brutal pobreza que se conhecia na época".

Confinada em um cortiço com um pai abusivo e uma mãe violenta e mentalmente instável, Bow mandou uma foto sua para um concurso de beleza de uma revista quando tinha 16 anos. E merecidamente ganhou o prêmio máximo.

Reinventando a vida

Não demorou para ela começar a fazer participações em filmes em Nova York e em Hollywood, trabalhando dia e noite até se tornar uma superestrela. Só em 1925, ela apareceu em 15 produções para o cinema.

Para Judith Mackrell, autora do livro Flappers: Six Women of a Dangerous Generation ("Melindrosas: Seis mulheres de uma geração perigosa", em tradução livre), o caminho de Bow para a fama foi um dos elementos que a tornou tão emblemática dos anos 20. "Em outra época, ela teria acabado nas ruas ou em uma fábrica, mas a existência do cinema como uma indústria de massas deu a ela a chance de reinventar sua vida".

Clara Bow nunca escondeu seu passado de pobreza e as noitadas de jogatina
A Clara Bow das telas era tão ousada quanto ela própria. Os Estados Unidos se apaixonaram por ela por causa de seus grandes olhos e sua beleza angelical, mas também porque ela era despreocupada, cheia de energia, segura de si e independente.

Bow não era especialmente sedutora ou elegante, mas atraía por estar sempre de bem consigo mesma. Era o arquétipo da mulher moderna.

"Detesto a palavra 'ícone', mas Bow foi fundamental para exemplificar a imagem da mulher dos anos 20. Ela era a personificação da melindrosa. Para as centenas de milhares de mulheres que iam ao cinema toda semana, ela era um modelo a seguir", afirma Mackrell.

Garota de hoje

O público se identificava com o ar comum e natural de Bow
Americanos de origem humilde sentiam que Bow era como eles, em parte porque sua maneira de atuar "tinha um naturalismo nunca visto antes", segundo David Stenn.

Enquanto outras estrelas dos anos 20 podem parecer caricaturais e melodramáticas aos nossos olhos de século 21, Bow sempre aparece como uma pessoa cheia de vida e sem afetações: a garota que mora ao lado, mas que também podia muito bem fazer parte da turma dos meninos.

"Ela tem algo muito contemporâneo", diz Elaine Shepherd, que produziu um documentário sobre a atriz para a BBC em 2012.

"Convidamos um grupo de estudantes para assistir a um dos filmes de Bow e todos eles realmente gostaram dela. Não sentiram que ela era estranha ou antiquada. Sua maneira de se mover e suas expressões faciais, e até suas roupas e seu cabelo... ela poderia muito bem andar por aí hoje em dia."

O sucesso de 'It'

O filme que Shepherd mostrou aos estudantes foi o que deu a Bow seu apelido: It (O Não-sei-quê das Mulheres, no Brasil). Nessa comédia romântica de 1927, o misterioso conceito de "it" é definido como algo tido por alguém que tem um sex appeal magnético e irresistível, mas também "autoconfiança e indiferença em relação a agradar, ao mesmo tempo que dá a impressão de que não se trata de frieza".

Quando o filme se tornou um sucesso, milhares de fãs passaram a mandar cartas para Bow endereçadas a "Miss It" ou "A Garota It".

Ela ainda fez muitas outras produções, incluindo Asas, um drama sobre a Primeira Guerra Mundial que ganhou o primeiro Oscar de melhor filme da história. Mas seu tempo em Hollywood estava se esgotando.

Clara Bow perdeu destaque em Hollywood com o advento do cinema falado
Um dos motivos pelo qual os americanos adoravam Bow era porque ela não fingia ser uma aristocrata. Ela revelou seu passado de pobreza a jornalistas e falava abertamente sobre seus vários namorados e suas noitadas de jogatina.

Essa simplicidade de quem vivia o momento, que a ajudou a se tornar um ídolo nos anos 20, foi esnobada durante os anos 30, atingidos pela Grande Depressão. Bow foi atacada pelos tabloides como um símbolo da decadente indústria do entretenimento.

Além disso, quando surgiram os primeiros filmes falados, ela não se adaptou e abandonou Hollywood.


Aposentadoria precoce

"Os estúdios a sugaram até o fim. Ela tinha que tomar remédio para acordar de manhã e para dormir à noite. Os executivos queriam explorá-la ao máximo, enquanto as revistas de fofocas publicavam as maiores mentiras sobre ela. Foi tudo muito estressante, especialmente para uma moça de 20 e poucos anos sozinha. Se ela tivesse tido mais apoio no início, sua carreira poderia ter sido muito bem-sucedida", conta Shepherd.

Em vez disso, Bow foi morar em uma fazenda no Estado de Nevada com o marido ator, Rex Bell, e lutou contra uma doença psiquiátrica até morrer, aos 60 anos.

Fez seu último filme, Hoop-La, em 1933, quando tinha apenas 28 anos. Em uma entrevista da época, ela disse: "Quero ser conhecida como uma atriz séria, não como uma 'it girl'".

Mas não foi isso o que aconteceu. Bow hoje é realmente lembrada por ter sido a primeira "it girl", o que nem sempre é justo quando se considera que o termo hoje tem sido aplicado para qualquer socialite que consegue emplacar uma capa de revista.

Isso não tem nada a ver com a "it girl" dos anos 20, descrita como alguém com "carisma, vivacidade e um charme espontâneo". Algo que Bow realmente tinha."

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