Jimmy's Hall: Com os jovens fica a esperança
"Este
filme do mestre Ken Loach sugere que a ideia socialista continuará
sempre viva no espírito, no coração e na generosidade dos jovens que
chegam.
Se fosse um texto, o filme inglês Jimmy’s Hall, do mestre Kenneth Loach,
de 79 anos, um dos últimos ativistas e guerrilheiros de esquerda do
cinema, seria uma nota ao pé da página. Mas que nota de pé de página.
Com uma qualidade, um estilo, uma vivacidade e, sobretudo, com uma
paixão pela vida, que torna este pequeno filme – um minicrônica, ou
anotação – mais uma pérola desse cineasta britânico.
Quando
lançou Jimmy’s, em Cannes, este ano, Loach chegou a anunciar que era
hora de parar de trabalhar. Depois, ao que parece, mudou de ideia. Havia
sofrido uma grande queda de uma escada e pensou em se despedir da vida
artística narrando a trajetória fascinante do personagem secundário da
luta pela independência da Irlanda, James Gralton, líder comunitário de
filiação comunista, que viveu no Condado de Leitrim e enfrentou os
latifundiários locais.
Foi o único cidadão irlandês deportado
para os Estados Unidos pelo governo reacionário e ultracatólico de Eamon
de Valera, em 1933. Jamais condenado, Gralton morreu em 1945, em Nova
Iorque. Nunca mais obteve autorização para retornar à Irlanda.
O
filme é baseado em uma peça de Donald O'Kelly. A trilha musical, mais
uma vez, é do colaborador habitual, George Fenton. Canções folclóricas
irlandesas, jazz de raiz, música de street dance com o célebre sapateado
irlandês, de swing e foxtrot. Uma beleza.
O roteiro é de outro
craque, companheiro de Loach em vários de seus filmes, o escritor Paul
Laverty, este igualmente personagem de respeito: nascido na Índia, de
mãe irlandesa, Laverty trabalhou e viveu na Nicarágua, nos anos 80, em
uma ONG dos sandinistas de direitos humanos. Escreveu o roteiro de um
filme clássico de Loach, Uma Canção para Carla (Carla’s Song, de 1997),
bela história de uma refugiada da guerra dos contras, e diversos outros
trabalhos posteriores do seu amigo.
Jimmy’s Hall não chega a
alcançar a consistência de filmes mais fortes de Loach, como Terra e
liberdade, À procura de Eric, Meu nome é Joe, Rota irlandesa, Ventos da
liberdade, Pão e rosas ou O espírito de 45. Mas é uma história incomum
sobre um personagem real, carismático (interpretado pelo cativante e
belo ator irlandês Barry Ward), filme que deixa o espectador com uma
sensação de alegria, de confiança no ser humano e de esperança no futuro
apesar das injustiças e das arbitrariedades do poder, no presente.
Loach
estimula o espectador a vir se juntar à celebração comunitária, ao
salão de Jimmy, o Pearse Connoly Hall - nome de outro líder, então já
morto, da guerra de independência da Irlanda. Nesse centro cultural, as
pessoas se encontram, e sobretudo os jovens, dançam, estudam artes,
desenho, literatura, ouvem música e dizem poesia, aprendem artesanato e
discutem ideias políticas libertárias. Discute-se salários mais justos e
como lutar para proteger famílias despejadas de suas moradias.
Esta
conjunção do entretenimento e diversão com política, da educação com a
cultura, não só na Irlanda, mas em qualquer local ou época, em especial
quando ocorre nos centros culturais nas periferias das grandes cidades
de hoje, nas favelas e no campo, é insuportável para governos
conservadores associados a igrejas repressivas e ao seu reflexo mais
danoso, o da polícia violenta; e para as sociedades governadas por
forças reacionárias: os “pastores e os mestres”, como, no filme, são
nomeados lideres religiosos e proprietários de terras - a aristocracia
rural. No filme, a leveza da alegria como que cutuca as pompas da
igreja.
Ken Loach sempre se preocupou com as lutas da classe
trabalhadora. Sempre foi também um otimista sobre a decência de seres
humanos. Não é um maniqueista. As discussões entre o socialista Gralton e
o pároco Sheridan (brilhante ator britânico, Jim Morton) não são
conversas enlatadas que versam sobre o bem contra o mal, o ‘direito’ e o
‘errado’.
Seus atores seguem a mesma chave. A sutileza do seu
trabalho indica o quanto há humanidade debaixo da retórica furiosa da
burguesia até sob a forma de humor e de ridículo quando, por exemplo, o
clérigo racista decreta que “a igreja tem o direito e o dever de
intervir” contra a “degradação” dos jovens que sapateiam e contra a
dissolução dos ritmos da música que vêm da “África escura.” ( Mas que
ele próprio ouve, secretamente, no seu gramofone.)
Nesta nova
incursão ao cenário que tanto ama, a Irlanda, o cineasta faz a sua
elegia ao amor verdadeiro. No caso, de Jimmy e Oonagh (a tocante atriz
Simone Kirby), namorada deixada para trás, antes, a qual, na sua volta,
ele reencontra casada com outro. A sequência da dança dos dois, quase em
silêncio, e apenas ao som de um fiapo de música, um acorde ou outro, no
salão deserto, é criação de mestre.
Há charme, calor e
humor neste Jimmy’s Hall de Loach no qual ele sugere, no belo final, que
a ideia socialista continuará sempre viva no espírito, no coração e na
generosidade dos jovens que chegam. É um filme que vale a pena."
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