Revista Bula
O Cavaleiro das Trevas — Texto e arte de Frank Miller
Esta HQ aparece em 10 entre 10 listas de melhores quadrinhos de todos os
tempos, então vamos nos livrar dela logo de cara. Escrita e desenhada
por Frank Miller na sua fase mais criativa, a série redefiniu o Batman
como o vigilante psicótico e obsessivo que todos nós amamos. Numa Gothan
City futura e violenta, um Bruce Wayne de 60 anos veste novamente o
colã para combater o crime. A HQ mostra como a figura do Batman causa
impacto na sociedade, com acalorados debates sobre direitos humanos e
uma legião de imitadores que tomam a justiça em suas mãos com resultados
desastrosos. A história termina em uma luta entre o morcego e Superman,
que virou uma espécie de superagente do governo americano (é a
inspiração para o filme “Batman Vs Superman”, de Zack Snyder, aquele
indigente mental). Frank Miller usa o recurso do discurso interior, o
que na época era uma novidade, mas que depois se transformou numa muleta
pro autor em obras bastante inferiores como “Sin City” e o abominável
“300”. Ainda hoje, é uma excelente novela gráfica, embora o
reacionarismo de Miller já estivesse todo lá.
Watchmen — Texto de Alan Moore e arte de David Gibbons
“Watchmen” sempre é citada junto com “O Cavaleiro das Trevas” como “as
obras que redefiniram os super-heróis”. É um erro. Embora
contemporâneas, são duas HQs completamente diferentes. “Watchmen” é
libertária e irônica com os vigilantes mascarados, retratados como tipos
perigosos e fascistas. O grande vilão da história (olha o spoiler) é o
super-herói Ozymandias, que decide forjar uma invasão alienígena para
acabar com uma guerra nuclear entre EUA e a União Soviética e, portanto,
salvar o mundo. Mas esse ato heroico redime seus crimes? E, afinal,
quem deu a ele o direito de decidir quem vive e quem morre? “Quem vigia
os vigilantes? / Who watches the Watchmen?” é a pergunta que percorre e
define a obra. Muito diferente de “O Cavaleiro das Trevas”, que faz
apologia do vigilantismo. Detalhe: se você conheceu essa história pelo
filme medonho de Zack Snyder, aquele indigente mental, você viu coisas
que não podem ser desvistas. O quadrinho é a obra de um gênio (Alan
Moore) e as alterações que Snyder faz na história destroem o conceito de
toda a trama.
Doom Patrol — Texto de Grant Morrison, arte de Richard Case e outros
A “Doom Patrol” escrita pelo escocês Grant Morrison não costuma
frequentar este tipo de “top ten”, o que é inexplicável, já que a HQ é,
de muitas maneiras, superior até mesmo a “Watchmen”. Enquanto Alan Moore
traz os super-heróis para o mundo real, Grant Morrison os leva para o
mundo surreal. É um universo povoado por pinturas que engolem cidades,
ruas conscientes e ônibus movidos a LSD. Criado em 1963, “Doom Patrol”
nunca foi um quadrinho mainstream, mas Morrison levou a inadequação ao
extremo quando assumiu o título em 1989. Ele acrescentou personagens
bizarros como Crazy Jane (uma garota de múltiplas personalidades, cada
uma com um poder diferente) e Danny, The Street, que é… bem, uma rua
viva! Ah, sim. Danny também é gay. Os maiores adversários da Patrulha do
Destino são a Irmandade Dadá comandada por Mr Nobody. Na primeira
aparição, eles usam uma pintura que devora Paris. Na segunda, pegam a
bicicleta de Albert Hofmann, o inventor do LSD, para fazer um tour pelos
Estados Unidos. Por onde passa, a bicicleta transforma tudo em
psicodelia. Até hoje, 26 anos depois, a “Doom Patrol” de Grant Morrison
continua única, original e desconcertante.
Quarteto Fantástico — Texto de Stan Lee e Jack Kirby, arte de Jack Kirby
O “Quarteto Fantástico” é o quadrinho que dá origem ao Universo Marvel.
Além de ser o primeiro gibi de super-heróis da editora, também introduz o
conceito da continuidade. Ou seja, se Nova York é destruída numa
edição, a cidade permanece aos cacos na revista seguinte. Isso foi a
grande revolução proposta por Lee-Kirby, já que as histórias da DC,
então hegemônica no gênero super-heróis, eram todas autocontidas. Mas a
série fica realmente boa, quando Lee deixa o roteiro também aos cuidados
de Jack Kirby. A imaginação prodigiosa de Kirby cria os Inumanos,
Galactus — O Devorador de Mundos, Pantera Negra e o reino de Wakanda e
mais um monte de tramas cósmicas variadas. Dizem que os roteiros
escritos por Stan Lee são mais humanos e cheios de dilemas morais,
enquanto os de Jack Kirby são fluxos criativos tão intensos que deixam
essas coisas em segundo plano. É verdade. Mesmo assim, o “Quarteto
Fantástico” é um dos melhores quadrinhos de super-heróis de todos os
tempos. Talvez o melhor.
Os Eternos — Texto e arte de Jack Kirby
Nos anos 70, o livro “Eram os Deuses Astronautas”, do escritor suíço
Erich von Däniken, virou um best-seller mundial. O autor buscava na
arqueologia e mitologia evidências de que alienígenas haviam feito
contato com os seres humanos no passado distante. Kirby parte dessa
premissa para criar uma trama que contrapõe duas raças manipuladas
geneticamente por extraterrestres: os Eternos e os Deviantes. Os Eternos
são os deuses e heróis da nossa mitologia e os Deviantes, claro, os
monstros e demônios. A história começa com a descoberta de uma pirâmide
asteca que contém armas bizarras e avançadas. Descobre-se que os deuses
cósmicos, chamados Celestiais, estão a caminho da Terra para julgar suas
criações e decidir se o planeta merece existir ou não. Pena que a
história não termina, pois a revista não vendia e acabou cancelada
depois de um ano. Muita gente tentou retomar a história sem sucesso. Até
Neil Gaiman quebrou a cara com uma HQ insossa e preguiçosa em 2007. Os
Eternos ainda esperam autores que tenham respeito pelo conceito original
de Jack Kirby.
A Liga Extraordinária — Texto de Alan Moore e arte de Kevin O’neill
A Liga não é o melhor trabalho de Alan Moore, mas é o mais divertido. O
autor reúne heróis da literatura da Belle Époque numa espécie de “Liga
da Justiça” steampunk. O grupo é formado por Allan Quartermain (de “As
Minas do Rei Salomão”), Mina Murray (de “Drácula”), Capitão Nemo (de
“Vinte Mil Léguas Submarinas”), Mr Hyde (de “O Médico e o Monstro”) e
Hawley Griffin (de “O Homem Invisível”). Eles são recrutados pelo
serviço secreto inglês, comandado por um misterioso homem chamado “M”,
que eles supõe ser Mycrof Holmes, o irmão de Sherlock, que desapareceu
nas cataratas de Reichenbach, na Suíça. Sua missão é encontrar um
combustível chamado “carborite” que pode fazer o Império Britânico
vencer a corrida espacial que disputa com a França. Isso os leva a se
meter numa guerra no submundo de Londres entre Fu Manchu (dos livros de
Sax Rohmer) e James Moriarty (o arquinimigo de Sherlock Holmes). A série
tem ainda inúmeros personagens secundários pinçados da literatura da
época e encontrá-los é um jogo dos mais divertidos. Por exemplo: o
segundo em comando no submarino Náutilus é Ishmael, o narrador de “Moby
Dick”. Kevin O’Neill não é apenas um ilustrador, mas um co-autor. Sua
Londres é gótica, industrial, suja. Sua Paris é azul, cheia de chaminés e
fumaça. A Liga teve várias continuações, mas a primeira série é a
melhor de todas. As demais são inferiores, mas valem a leitura.
Archer & Armstrong — Texto de Fred Van Lente, arte de Cleyton Henry
A dupla foi criada por Barry Windsor Smith nos anos 90, mas só decolou
em 2012, com a recriação de Fred Van Lente. Armstrong é Aram Anni-Padda,
um imortal de 10.000 anos que nasceu na antiga Suméria e está por aí
bebendo e correndo atrás de mulheres. Archer é um perito em artes
marciais treinado por uma seita cristã fundamentalista para matar
Armstrong, considerado um demônio. Naturalmente, eles acabam virando
amigos e juntos enfrentam sociedades secretas das mais bizarras como
monges budistas-nazistas, os black blocs (que usam um bloco quadrado
como máscara), o 1% (o 1% mais rico da população mundial) e freiras
travestis assassinas. Os roteiros misturam todo tipo de teoria
conspiratória numa trama que nunca se leva muito a sério. Até agora, um
dos melhores quadrinhos da década.
The Umbrella Academy — Texto de Gerard Way e arte de Gabriel Bá
Esse quadrinho é surpreendente por muitos motivos. O principal deles é
que o
autor do texto é Gerard Way, cantor da bandinha emocore “My
Chemical Romance” e que todo mundo acreditava ser uma espécie de Michel
Teló que fala inglês. Surpreendentemente, Way se revelou um autor culto e
inovador. Inspirado pela “Doom Patrol”, de Grant Morrison, ele inventou
uma família disfuncional de super-heróis cheia de personagens
cativantes, entre eles, Spaceboy, Number Five, the Horror e The White
Violin. Em 1977, um evento desconhecido e inexplicável faz com que
nasçam 43 bebês com superpoderes. A maioria das crianças morre, mas sete
delas são adotadas por Richard Hargreeves, o Mr. Monocle, que as educa
na The Umbrella Academy. Dezessete anos mais tarde, os “irmãos” se
reúnem no velório de Mr. Monocle e descobrem que um deles se transformou
em super-vilão. Imagine um filme dos “Vingadores” escrito e dirigido
por Wes Craven. É isso. A arte é do brasileiro Gabriel Bá que, assim
como O’Neil em “A Liga”, é quase um co-autor.
Planetary —Texto de Warren Ellis e arte de John Cassaday
Planetary é um delírio pop pós-moderno que junta numa mesma trama
monstros japoneses, super-heróis, pulp fiction, cinema de ação chinês e
mais um monte de referências do cinema, quadrinhos e literatura. O
“Planetary” do título é uma organização misteriosa que financia um grupo
de “arqueólogos do impossível” composto por Elija Snow, Jakita Wagner e
“Drummer”. Os três saem pelo mundo em busca de objetos estranhos e fora
de contexto, como, por exemplo, o martelo de um deus nórdico que dá
superpoderes a quem o empunha. Neste mundo meta-ficcional, eles
enfrentam a oposição de outro grupo superpoderoso, “Os Quatro”, uma
versão distorcida e maléfica do “Quarteto Fantástico”. A partir daí,
Ellis-Cassaday exploram e satirizam elementos de toda a ficção pop
produzida no século 20. “Planetary” é um filhote de “A Liga
Extraordinária”, mas tem vigor suficiente para ficar de pé sozinho.
Supreme — texto de Alan Moore e arte de Rob Liefeld e outros
“Supreme” é uma cópia do Superman criada em 1992 por Rob Liefeld para a
editora Image. Liefeld é considerado o pior desenhista de super-heróis
do mundo (é verdade), mas em 1997, ele fez a coisa certa: convidou Alan
Moore para assumir o título e “Supreme” finalmente voou. Em vez de se
afastar de Superman, Moore fez o oposto: “transformou” “Supreme no
Superman. Ele inventou um passado para o personagem recriando não apenas
histórias ao estilo dos anos 50 e 60, mas também as capas dessas
revistas “falsas”, tiras de jornais da época e até “cartas de leitores”.
Na história, o autor assume que o atual “Supreme” é apenas a versão
“reformulada” mais recente do personagem. Com esses truques
metalinguísticos e uma trama ao mesmo tempo contemporânea e saudosista,
Moore transformou o “Superman Wanna Be” num herói melhor que o original.
A DC, claro, não aprendeu a lição. A versão atual do Superman que usa
camiseta de marombeiro e calça jeans é uma abominação perante Deus e os
homens.
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