“O drama do Belas Artes não é uma questão
isolada. Não apenas cinemas, mas também teatros de rua viveram um esvaziamento,
especialmente, nos anos 1990, época em que se iniciou o boom da construção de
shopping centers na cidade
Raquel Rolnik, Brasil de Fato
Até 1900, as exibições de filmes em São Paulo eram feitas de forma ambulante, em
barracões improvisados onde era instalado o cinematógrafo. Foi somente a partir
desta época que as sessões passaram a ocupar locais fixos, especialmente em
salões, cafés e teatros, como o cine-teatro Colombo, no Brás. As primeiras
salas de cinema propriamente ditas da cidade foram inauguradas apenas em 1907,
sendo a primeira delas o Cine Eldorado e, logo em seguida, o Bijou, na São
João. Nos anos 1940, o número de salas dobrou em relação à década anterior, e
nos anos 1950, as salas triplicaram: 154 novas salas foram inauguradas. Estas
informações estão disponíveis no artigo “A relação da sala de cinema com o
espaço urbano em São Paulo:
do provinciano ao cosmopolita”, da urbanista Paula Santoro.
Hoje em São Paulo
temos apenas cinco cinemas de rua em funcionamento: o Espaço Itaú, com cinco
salas; o Reserva Cultural, com quatro; o Marabá, com cinco; o Cine Sabesp e o
Cine Sesc. Lendo o artigo da Paula, lembrei-me imediatamente da falta que faz o
Belas Artes, fechado em 2011. Na época, o proprietário, decidiu vender o
prédio, aproveitando-se da altíssima valorização imobiliária na região. De lá
para cá, formou-se um movimento pela reabertura do cinema que, como forma de
pressão e resistência, conseguiu levar o caso aos órgãos de defesa do
patrimônio cultural. No final de 2012, o Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) decidiu tombar a
fachada do prédio. Isso dificultou os planos do proprietário, já que a
possibilidade de fazer alterações físicas no imóvel tornou-se bastante
limitada.
Recentemente, porém, soube que na última reunião do Condephaat,
realizada no dia 12 de agosto, houve uma tentativa de “destombamento” do Belas Artes,
mas não encontrei notícias mais precisas sobre o assunto. Enquanto isso, o
Movimento pelo Cine Belas Artes (MBA) vem discutindo, no processo de revisão do
plano diretor da cidade, a proposta de criação de uma Zona Especial de
Preservação Cultural (Zepec), que incluiria a região do Belas Artes e seu
entorno, facilitando uma solução que viabilizasse a proteção do prédio e seu
funcionamento como cinema.
O drama do Belas Artes não é uma questão isolada. Não apenas cinemas,
mas também teatros de rua viveram um esvaziamento, especialmente, nos anos
1990, época em que se iniciou o boom da construção de shopping centers na
cidade. O argumento fundamental, “real e imaginário”, dessa mudança era a
questão da segurança, afinal, em tese, os shoppings eram mais seguros e
confortáveis que as ruas, relegadas a mero espaço de passagem de veículos e
pessoas, não exercendo a função de espaços de permanência e convivência. Tenho
certeza, porém, que o momento que vivemos hoje na cidade é outro. As recentes
manifestações, e mesmo inúmeras mobilizações e intervenções anteriores que já
reivindicavam a valorização dos espaços públicos, parecem mostrar que existe um
desejo de mudança na lógica de construção de nossa cidade.”
Raquel é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das
Nações Unidas para o direito à moradia adequada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário