“Filme dirigido por Thierry Binist conta a
história de Tal Levine, uma estudante israelense que, sufocada pelo conflito
entre Israel e Palestina, estabelece diálogo com um jovem de Gaza através de
uma carta colocada dentro de uma garrafa atirada ao mar.
Luciana Garcia de Oliveira, CartaCapital
O enredo do filme “Uma garrafa no mar de
Gaza” (uma coprodução entre França, Israel e Canadá) dirigido por Thierry
Binist, tem início com uma cena típica das grandes cidades israelenses, como
Jerusalém, qual seja o medo de dividir o mesmo transporte público com
árabes-palestinos em situações consideradas suspeitas, principalmente se eles
estiverem portando malas ou sacolas. Foi numa situação como esta que Tal
Levine, estudante israelense, então tomada pelo pânico de ser mais uma vítima
de um ataque suicida, salta imediatamente do ônibus, antes mesmo de chegar ao
seu destino desejado.
Foi, no entanto, após um desses ataques em um café em Jerusalém, o motivo desencadeador para que a jovem protagonista escrevesse uma carta. Em seu texto, ela expõe suas dúvidas e convida à uma possível aproximação, ou pelo menos, a se estabelecer um diálogo com alguma pessoa residente na Faixa de Gaza, território considerado inimigo pelo governo de Israel. E, para ter certeza de que a garrafa (com a carta) fosse conduzida à Faixa palestina, Tal pediu para o seu irmão (militar de uma brigada próxima à praia na fronteira de Gaza) jogasse a garrafa ao mar.
Foi, no entanto, após um desses ataques em um café em Jerusalém, o motivo desencadeador para que a jovem protagonista escrevesse uma carta. Em seu texto, ela expõe suas dúvidas e convida à uma possível aproximação, ou pelo menos, a se estabelecer um diálogo com alguma pessoa residente na Faixa de Gaza, território considerado inimigo pelo governo de Israel. E, para ter certeza de que a garrafa (com a carta) fosse conduzida à Faixa palestina, Tal pediu para o seu irmão (militar de uma brigada próxima à praia na fronteira de Gaza) jogasse a garrafa ao mar.
Conforme havia sido planejado, a correnteza direcionou a garrafa de Tal nas mãos de Naim, jovem palestino que prontamente e muito defensivamente respondeu (via e-mail) à carta de Tal. A história, por sua vez, é baseada nas correspondências do casal, em um espaço de um ano.
E, como em todo território dominado por grupos políticos e religiosos de tendência extremista e em constante estado de conflito, foi em uma de suas visitas ao cyber café que Naim foi imediatamente interceptado por alguns membros da milícia do Hamas, sob a desconfiança de que o rapaz estivesse trocando informações sigilosas com o “inimigo israelense”.
A desconfiança lhe rendeu um severo castigo físico e muitas ameaças, o que contribuiu para que Naim começasse a frequentar regularmente um curso de idioma em um Centro Francês instalado na região, local em que poderia também ter o livre acesso à internet e se corresponder com Tal em francês.
Foi também nesse mesmo espaço de tempo que o território palestino foi alvo de uma violenta operação israelense denominada “Cast Lead” (Chumbo Fundido, em português), com início no dia 27 de dezembro de 2008, num sábado, com um ataque que vitimou imediatamente cerca de 200 pessoas.
A tática empregada na operação ficou conhecida pela expressão “going crazy” (ou “enlouquecer”, em português), e teria por objetivos fomentar o máximo de terror na população. O fato desse primeiro ataque ocorrer em pleno sábado (dia do Sabbath, ou do descanso na religião judaica) levou a que também fosse negada assistência médica e alimentação para os sobreviventes da Faixa de Gaza, naquela ocasião trágica.
De acordo com a obra ‘Gaza in Crisis’ (de coautoria de Ilan Pappé e Noam Chomsky), a Operação havia sido planejada numa tentativa israelense de “educar o Hamas”, baseada na eliminação dos principais dirigentes do grupo político palestino e, ao mesmo tempo, impingindo um intenso sofrimento a toda população de Gaza, exatamente nos mesmos moldes empregados no Líbano, em 2006. Muito embora tais medidas sejam consideradas desumanas, as autoridades militares e políticas israelenses as justificavam com base na importância adquirida pelo grupo Hamas dentro da sociedade de Gaza, desde a sua existência, em 1987 (durante a Primeira Intifada palestina).
Em um olhar atento sob o grupo Hamas e a Faixa de Gaza, muito além das milícias e da resistência armada contra Israel, a vitória nas eleições em 2006 revelou uma imensa popularidade do grupo dentro da Faixa de Gaza. Isso só foi possível muito devidamente ao grupo dispor de um organizado aparato religioso e assistencial, tendente a beneficiar a população carente de escolas e hospitais na região. E, de acordo com essa constatação, as autoridades militares israelenses chegaram à conclusão de que se tratava de um “terrorismo difícil de ser erradicado” (p. 85), e esse fato justificaria um ataque nesses mesmos moldes.
Muito embora o filme demonstrasse algumas cenas dos ataques aéreos e da invasão por terra por parte do Exército de Defesa de Israel, sobretudo no momento em que Naim olha de maneira perplexa aos tanques na rua pela janela da sua casa – que havia se transformado em um verdadeiro alojamento para os desabrigados –, a intensidade da violência, no entanto, não apareceu no filme, qual seja o discurso cínico, segundo Noam Chomsky, por parte do presidente Barack Obama, que, na tentativa de justificar a operação em Gaza, afirmou:
“Se alguém estiver atacando com foguetes em direção à minha casa, onde minhas duas filhas dormem à noite, eu irei fazer de tudo o que estiver em meu poder para detê-los” (p.94). Cabe ressaltar que em algumas horas após o cessar fogo, a ‘Agência Reuters’ reportou que o número de vítimas estava estimado em 1.300 palestinos, entre eles muitas mulheres, idosos e crianças.
Se os grupos político-religiosos de tendência fundamentalistas como o Hamas devem ser combatidos em prol da coexistência pacífica, muito pouco é veiculado acerca das atitudes de determinados rabinos advindo de alguns grupos ultraordoxos em Israel, durante a operação. Isso porque alguns discursos e atitudes advindos de notáveis representantes religiosos judaicos surpreenderam a opinião pública internacional pela tamanha crueldade e indiferença. A mais surpreendente entre todas, de acordo com a mesma obra, foi destaque no ‘Wall Street Journal’, a qual reportava alguns rabinos ultraortodoxos que assistiam de binóculo aos bombardeamentos à Faixa de Gaza, ao mesmo tempo em que gritavam “Bravo! Bravo!” (p. 99), como se estivesse assistindo a uma peça de teatro.
A obra, por sua vez, revela que um ano antes da operação alguns representantes religiosos de Israel haviam escrito uma carta dirigida ao então ministro Olmert, a qual informava que toda a população civil da Faixa de Gaza poderia ser considerada culpada em potencial pelos constantes ataques com foguetes contra a população civil israelense. Ainda havia sido reportado no ‘Jerusalem Post’ um artigo em que um desses rabinos reafirmava: “Se eles não param depois de matar 100, então teremos de matar 1000, e se eles não param depois de matar 1000, então temos de matar 100.000, até mesmo um milhão de pessoas. Teremos que fazer tudo o que for preciso para fazê-los parar” (p.100).
A influência religiosa na operação militar é, da mesma forma, destacada na obra. A própria denominação da Operação “Cast Lead” refere-se à um trecho de uma música Hanukkah (“Inauguração”, em português), referente à uma celebração religiosa com duração de 8 dias do poeta israelense Haim Nahman Bialik,. Uma referência religiosa e pacífica havia sido atribuída a uma operação conhecida tão somente pelo uso excessivo da violência e sofrimento, pois além do grande número de mortes, foi comprovadamente constatado o demasiado uso do elemento químico fósforo branco pelo exército durante a operação – substância essa capaz de causar queimaduras intensas, chegando inclusive a atingir os ossos.
No filme, logo no início da operação e na oportunidade de acessar a internet após os primeiros ataques aéreos, Naim, munido de revolta e ressentimento, escreve imediatamente para Tal, diz que não deseja mais ter contato, pois durante os ataques só conseguia pensar em quem estava lhe atacando tão intensivamente. A resposta por e-mail demorou alguns dias, e nela Tal reafirma a sua esperança de que a relação dos dois poderia superar o conflito, que afinal não lhes pertenciam.
A proximidade entre os dois cresce na medida em que Naim decide concorrer a uma bolsa de estudos na França com a ajuda de Tal. Mesmo diante do entendimento entre os dois protagonistas, o filme apresenta de uma maneira magistral todos os contrastes entre ambas as sociedades (de Gaza e a israelense). Tal frequenta escola regular, tem relação sexual com o seu namorado antes do casamento, ingere bebidas alcoólicas, pode viajar e vive com receio de usar o transporte público e de frequentar alguns cafés em Jerusalém. Conjuntura bastante distinta à de Naim, a qual vive em um estado de exceção constante, praticamente sem privacidade, e tendo que esperar um casamento para que possa ter a sua primeira relação sexual, de acordo com os preceitos islâmicos da região.
Logo que Naim é aprovado para um intercâmbio de um ano em Paris, é submetido a um processo burocrático de autorização para que, enfim, possa sair da Faixa de Gaza por estudos. Ao passar por Israel, encontra Tal dentro do carro em movimento, pois caso o veículo parasse em meio ao território israelense (e “inimigo”), o estudante poderia perder a sua grande oportunidade.
Mesmo sem conseguir se despedir (ou mesmo conversar) com Tal, amiga e responsável por uma considerável evolução na vida de Naim, o filme termina com um close facial do protagonista, de olhos fechados e semblante aliviado, no banco do passageiro rumo ao aeroporto de Amã (na Jordânia), cena muito tocante que simboliza o prazer da liberdade de um povo que ainda vive sob os auspícios de liberdade e autodeterminação.”
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