“Spartacus”: épico-histórico que marcou época



Considero Spartacus (1960), de Stanley Kubrick, o melhor épico da história do cinema, ainda que o diretor não tenha tido a oportunidade de concebê-lo na sua integridade, pois, tratando-se de uma produção da companhia de Kirk Douglas, a Byrna (nome em homenagem à sua mãe), o autor de A laranja mecânica somente foi convidado após a desistência de Anthony Mann, que entrou em conflito com o poderoso producer. Douglas, que já tinha trabalhado com Kubrick em Glória feita de sangue (Paths of glory, 1958), e admirado muito o seu trabalho, com a saída de Mann o convidou para assumir a direção, apesar dos protestos de alguns acionistas de sua empresa produtora, que consideravam Kubrick um imberbe para uma empreitada caríssima como Spartacus. O fato é que o filme, monumental, possui características kubrickianas na maneira de encenar, na composição do enquadramento (a câmera no chão com os gladiadores de corpo inteiro,etc), no sentido peculiar do ritmo, do timing, e da concepção de montagem (Laurence Olivier, como Craso, enquanto fala para sua tropa, tem, intercalando-a, Spartacus a falar para seus comandados em montagem paralela extremamente funcional). O melhor de tudo, porém, é a seqüência da batalha final, que somente poderia ter sido dirigida mesmo por um mestre como Kubrick, pois se assemelha, pelo impacto, pela força expressiva, à seqüência da batalha do gelo de Alexandre Nevsky (1938), de Serguei Eisenstein. Se, nesta, a partitura é de Prokofiev, a de Spartacus é de Alex North, músico especializado em grandes temas para cinema e que tem neste filme um de seus momentos de glória.

Filme de produtor, assim como …E o vento levou é de David Selznick, Spartacus, ainda que comandado administrativamente por Kirk Douglas, este confiou na capacidade daquele rapaz e lhe deu carta branca para a concepção das grandes seqüências. Este imenso espetáculo, singular na história do cinema, saiu em edição especial cheio de extras em DVD, e pode ser considerada a superprodução hollywoodiana que melhor se conservou com o passar do tempo e, vista hoje, é como se o filme tivesse sido feito agora. A sensação que se tinha, quando do seu lançamento em 1961, aqui em Salvador, era de um filme avançado para a sua época em termos da sua concepção de mise-en-scène, deixando em segundo plano Ben-Hur e Os dez mandamentos, embora estes possam, também, serem considerados espetáculos primorosos dentro das fronteiras de seu gênero. Spartacus, no entanto, ganha de todos eles por sua magnificência, sentido de cinema pulsante, elenco inexcedível. E Laurence Olivier, como Craso, tem, aqui, um de suas performances mais eloqüentes.

Vi Spartacus, pela primeira vez, no velho cine Tupy antes da reforma de 1968. No já distante ano de 1961, quando, com 11 anos, quase que não conseguia entrar, pois, na época, o filme era proibido para menores de 14 anos. Assim, talvez meu entusiasmo pelo filme tenha vindo pelo impacto que provocou no adolescente que estava se formando como cinéfilo impertinente. Mas continuei, pela vida inteira, a ver Spartacus, indo assisti-lo onde quer que estivesse passando. A última vez que foi exibido em cinema, creio, se a memória não falha, foi nos anos 70, no Tupy, em cópia esplendorosa na bitola de 70mm. Depois passou para a fita magnética, em horrendo full screen, e, agora, vem restaurado em edição que respeita a integridade de seu enquadramento, isto é, preservando o cinemascope original.

O fascínio que permanece em Spartacus se deve muito à contribuição de Stanley Kubrick como metteur-en-scène e, também, pela confiança que Kirk Douglas depositou nele. Produtor de visão, este dispensou a Kubrick a necessária liberdade para conceber o espetáculo, embora com algumas discussões e atritos por causa do temperamento do realizador de Lolita. Spartacus é um filme permanente que, se for ser sincero, o colocaria entre os 10 melhores filmes que já vi. Há, nestas listas de melhores, as listas afetivas e as protocolares, que procuram aferir a importância dos filmes no processo histórico da sétima arte. Posso dizer que após os 11 anos de idade, quando o vi pela primeira vez, naquele Tupy com o teto cheio de teias de aranhas negras, Spartacus permaneceu comigo, fazendo parte, portanto, de minha história de cinéfilo.

O cinema como expressão artística, vim a compreendê-lo após ver, imbuído de certa estupefação, O eclipse (L’eclise), de Michelangelo Antonioni, assistido num domingo pela manhã no Tamoio recém inaugurado (que substituiu o Glória após reforma infraestrutural). Naquela época, os filmes eram lançados às segundas e aos domingos, dez da manhã, havia as famosas pré-estréias. Foi numa delas que vim a conhecer o grande Antonioni, autor de uma trilogia indispensável e imprescindível: A aventura, A noite, e o citado O eclipse.
 Mas estava falando de Spartacus…”

Um comentário:

Anônimo disse...

Spartacus é um grande filme , porém o considero de certa forma arrastado,melhorando no seu decorrer. Mas nada se compara ao grande épico ben hur.
Ben hur foi o únco filme até hoje que me deixou em êxtase.Tive o privilégio de te-lo assistido no cinema em 1977, nos meus 16 anos de idade.Respeito a opinião, mas para mim foi o único filme que do começo ao fim é praticamente impecável com cenas de cair o queixo. Vou emprestar aqui as palavras de um comentário que li sobre ben hur.
As cenas do conflito político entre Hur e Messala no início do espetáculo com excepcionais interpretações de Heston e Boyd e com a mais absoluta riqueza de diálogos e detalhes, por si só já coloca a obra de William Wyler acima de todos os filmes (de qualquer gênero) já realizados em toda a história do cinema.
E acrescento ainda que o DRAMA(traição) aliado a um forte sentimento RELIGIOSO( a presença do cristo ), que conduz espiritualmente ben hur juntamente com a AÇÃO( corrida de bigas, vingança), foram os melhores ingredientes que um épico pôde proporcionar até hoje.