Dan Baun - Da revista Popular Science, Nova York / Brasil 247
Masdar parece uma miragem. De longe, a cidade parece um
grande edifício multicolorido erguido no horizonte. A ilusão deve-se em
parte à sua situação singular: perto do aeroporto de Abu Dhabi, do outro
lado da rodovia do Golfo Pérsico, numa parte muito inóspita do deserto.
Panorama aéreo de Masdar |
Mas a ilusão também tem a ver com densidade populacional. Projeto urbanístico estimado entre 18 e 22 bilhões de dólares, Masdar deverá abrigar cerca 40 mil habitantes numa área de pouco mais de 5 quilômetros quadrados. Será a ecocidade mais ambiciosa do mundo. Nela, os veículos serão proibidos. Os visitantes terão de deixar os veículos num parque de estacionamento gigante ao norte da cidade.
Enquanto estaciono, um ocidental com aspeto bem cuidado, de terno escuro apesar do calor, sai da sombra para se apresentar. Stephen Severance, americano de 45 anos, é o gestor do programa. Chegou a Masdar há quatro anos, após ter trabalhado algum tempo no gabinete de consultoria Booz Allen.
Um dos carros automatizados que fazem o transporte urbano em Masdar. Os veículos não precisam de motorista |
Veículos sem fumaça nem condutor
Ele me conduz por entre as fileiras de carros parados.
Chegamos diante de portas de vidro fumê. Num sopro, elas se abrem para
um átrio de mármore. Atrás de outras portas envidraçadas nos espera o
serviço do Trânsito Rápido Personalizado - Personal Rapid Transit, ou
PRT. São pequenos veículos brancos sem condutor que garantem um
transporte ecológico.
Rua de Masdar |
Originalmente, o PRT deveria servir toda a cidade, faz saber Severance. Mas teria sido preciso arranjar tanto espaço por baixo dos imóveis que toda a cidade teria de ser erguida sobre pilares de 6 metros de altura. O centro da cidade, que ocupa aproximadamente 1 quilômetro quadrado, foi construído desse modo, sobre pilares, mas sobreelevar todo o conjunto seria demasiado caro. Até o momento, a escolha das infraestruturas de transporte não foram determinadas. Poderão ser ônibus elétricos ou pequenas viaturas solares.
Em Masdar, ruas e praças são projetadas para oferecer o máximo de sombra |
Uma cidade com emissão zero
Enquanto o nosso veículo desliza para a sua vaga no
estacionamento, uma voz eletrônica lembra para que não esqueçamos os
nossos objetos pessoais. Entramos na praça do terminal, por baixo do
Instituto Masdar, e subimos uma grande escadaria em forma de caracol que
nos conduz a um pátio exterior, ao nível da rua.
As incríveis luminárias de Masdar foram projetadas para produzir luz à noiter e sombra durante o dia |
No projeto original, todos os edifícios deveriam ser cobertos por enormes telhados fotovoltaicos. Os primeiros esboços parecem coisa de ficção científica.
Estrutura de tetos em Masdar fotografados do alto |
Dispensar a energia fóssil
Ao longo dos anos, o projeto se concretizou. Habitações, escritórios e lojas com alta eficiência energética foram saindo da terra. Em 2009, a Agência Internacional para as Energias Renováveis escolheu a improvável opção de instalar a sua sede em Abu Dhabi.
Em 2011, os 70 alunos do primeiro curso de mestrado do instituto de Masdar obtiveram seus diplomas. Em 2012, a Siemens, gigante alemã das tecnologias, efetuou no local os últimos retoques da sua nova sede para o Médio Oriente. Foi nesse momento que a experiência - de início, pouco mais do que um gesto nobre - adquiriu outra importância: um modelo de desenvolvimento duradouro em grande escala.
Apesar da escassez de água, há muitas piscinas, fontes e chafarizes em Masdar |
Mas nem mesmo uma cidade assim futurista, posta no mundo graças à vontade de alguns e ao dinheiro do petróleo, está imune às vicissitudes do presente. A crise financeira de 2008 obrigou os arquitetos a reverem as suas ambições em baixa.
O orçamento foi reduzido em cerca de quatro bilhões de dólares e os engenheiros tiveram de renunciar a algumas das suas ideias mais inovadoras. Os complexos telhados solares foram substituídos por áreas de plantas de energia solar situadas na periferia da cidade. O sistema de transporte PRT, pensado originalmente para toda a cidade, ficará reduzido ao centro.
Além disso, no projeto inicial pensava-se em dessalinizar a água através do recurso à energia solar, mas descobriu-se que a água dos poços era três vezes mais salgada do que a do mar. Dessalinizá-la exigiria, portanto, muito mais energia. Diante do problema, a utilização da água será severamente controlada.
Visão noturna de tetos em Masdar |
Campeã da energia solar
Em resumo, comparados com a audaciosa aventura que Masdar
deveria ter sido, os novos planos poderão decepcionar. Mas existe um
capítulo no qual Masdar não tem direito a erro: o da eletricidade de
origem solar. O emirado de Abu Dhabi, onde a temperatura chega aos 50
graus centígrados e onde cada gota de água tem de ser dessalinizada,
consome tanto gás natural para gerar eletricidade que se tornou um dos
maiores importadores da região. Com Masdar, o país tenta justamente
provar que é capaz de criar eletricidade, dispensando as energias
fósseis como aquelas derivadas do petróleo e do gás.
Qualquer trecho de Masdar, visto do alto, fornece uma visão feérica |
A central é composta por 192 coletores de forma alongada, com 100 metros de comprimento por 6 de largura, constituídos por espelhos cilindro-parabólicos. Um tubo de aço revestido de vidro, que transporta óleo sintético, corre ao longo de cada coletor. As bombas elétricas demoram cinco minutos para encaminhar 4 litros de óleo de uma extremidade do coletor até a outra, fazendo-o depois retornar através de outro coletor; bastam esses cinco minutos, sob a irradiação concentrada do Sol, para aquecer o óleo a uma temperatura que ronda os 400 graus centígrados. Os tubos atravessam seguidamente uma piscina de água.
As paredes das construções são transparentes ao máximo, porém dispõem de controles de entrada de luz diurna |
A tecnologia solar concentrada dá passos de gigante. No ano passado permitiu produzir cerca de 2 gW - energia elétrica suficiente para abastecer dois milhões de lares - e os projetos em curso deverão garantir uma produção quatro vezes mais elevada.
Em toda a área urbana de Masdar espaços abertos foram deixados para praças e jardins |
Um projeto de investigação em si mesmo
É ainda pouco, em comparação com outras fontes de energia
renovável, como a fotovoltaica (que gerou 20 vezes mais eletricidade no
mundo no final de 2010) e a eólica (100 vezes mais). Mas a energia solar
concentrada tem os seus pontos fortes. Dessas três fontes, é a única
capaz de criar calor, com o qual, além de se produzir eletricidade, é
possível fazer muitas outras coisas, como dessalinizar a água. E
contrariamente às centrais fotovoltaicas, as instalações solares de
concentração também fornecem energia barata durante a noite, pois a
armazenam sob a forma de calor e não requerem baterias dispendiosas.
A criatividade da equipe de arquitetos e urbanistas que desenharam Masdar não conheceu limites |
No laboratório de tecnologias inteligentes para veículos elétricos e sistemas automotores são concebidas redes integradas que interligam condutores e veículos à rede rodoviária e às condições de circulação. Há também os que estão trabalhando em inteligência artificial, em nanomateriais, no armazenamento nanotecnológico da energia ou ainda nas células solares.
Em certas ruas e avenidas de Masdar tem-se a impressão de viajar no tempo, para um futuro distante... que já existe no presente |
Visão dos limites da cidade. À direita, um dos pomares que abastecem a população |
Produzir o máximo de sombra
Numa tarde escaldante, encontro Stephen Severance num banco
de pedra do centro de Masdar. Quero ter uma ideia da vida nesta cidade
do futuro. Estou impressionado com a calma reinante: nenhum ruído de
buzina, de motor ou de sirenes. Depois reparo na temperatura, muito mais
amena que em Abu Dhabi. Estamos abrigados do sol.
Certas praças públicas de Masdar lembram o conceito de oásis no meio do deserto |
Severance me indica, do outro lado do pátio, uma torre oca apoiada em pilares de aço: um tubo vertical de 6 metros de largura, que se eleva à altura de cinco andares. Esta estrutura desvia os ventos frescos que sopram acima da cidade e os orienta para o pátio. A torre de vento é uma novidade: provavelmente foi inventada pelos persas, que já a utilizavam muitos séculos antes de o ouro negro trazer riqueza a esta parte do globo. Os engenheiros de Masdar aperfeiçoaram o sistema, instalando no alto da estrutura um tipo de persianas comandadas por computador, a fim de maximizar a sua eficácia. Os painéis abrem e fecham em função dos ventos predominantes. E alguns vaporizadores arrefecem o ar um pouco mais.
Os objetivos de Masdar foram revistos em baixa, mas seu interesse é agora maior ainda. Se a crise financeira não tivesse obrigado os engenheiros a reduzir suas ambições e a criar adaptações, o projeto teria sido pouco mais do que um brinquedo caríssimo de um emir do petróleo. Hoje em dia, a cidade de Masdar está ancorada na realidade econômica. Pode, portanto, dar lições ao mundo inteiro.
Masdar já é, hoje, importante centro universitário e de pesquisas de alta tecnologia |
Nenhuma das pessoas com quem falei durante a minha estadia parece alimentar a ilusão de uma cidade perfeita. O mundo não irá arrasar as suas infraestruturas e começar a construir apenas cidades inteligentes para pedestres que funcionem a energia solar.
Masdar não é propriamente um modelo de desenvolvimento. É, no entanto, um modelo de inovação. Ao criar essa cidade impossível de reproduzir - isolada, dispendiosa e quase vazia -, seus arquitetos estão certamente inventando soluções que irão produzir um mundo melhor para todos."
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