Filme grego descortina um silencioso pesadelo dentro de casa

Angeliki é um símbolo de muitas crianças que são forçadas a se submeter à regras de uma sociedade implacável
'Miss Violence', de Alexandros Avranas, dilacera o espectador com temas altamente indigestos: suicídio, pedofilia e prostituição infantil

Xandra Stefanel, RBA

A porta se abre para um cenário festivo: balões coloridos, vestidos alinhados, bolo e uma família que canta parabéns à Angeliki (Chloe Bolota) pelo seu aniversário de 11 anos. Apática e sem vontade, ela dança com o avô (Themis Panou) Dance Me to the End of Love na voz de Leonard Cohen. Na foto de família tirada pelo neto mais novo, o avô é ladeado pelas três netas. A única que sorri, além do homem, é a pequena e ingênua Alkmini. Quando ele vai chamar sua mulher (Reni Pittaki) e a filha Eleni (Eleni Roussinou) para outra foto, Angeliki vai em direção à janela do apartamento, olha para a câmera e, pela primeira vez, sorri, antes de se jogar.

Desde o início o espectador percebe um clima estranho no filme grego Miss Violence, dirigido por Alexandros Avranas, que estreia nesta quinta-feira, 25 de setembro no Brasil. A fotografia de Olympia Mytilinaiou se encaixa perfeitamente com o roteiro do próprio Avranas e de Kostas Peroulis: escuridão, cores opacas, pouco brilho refletem bem o estado de ânimo de uma família aparentemente normal. Aos poucos, é possível começar a entender a dinâmica da casa e descobrir, paulatinamente, o que de fato acontece na vida daquelas pessoas.


A polícia e o serviço social tentam de todas as formas descobrir a razão do suicídio de Angeliki. Eleni e sua filha mais velha, Myrto, ficam visivelmente abaladas, mas logo o avô impõe sua vontade. Manipulador e muito autoritário, ele faz de tudo para que a rotina deixe para trás aquela morte até então incompreensível.

O filme gira em torno deste homem que nunca tem o nome mencionado. Ele controla tudo e todos que vivem naquele apartamento, até o peso do pacote de cereal que come pela manhã. Mas aos olhos dos que estão de fora, ele parece apenas um avô e um pai atencioso e preocupado com a estabilidade da família, que deve crescer em breve, já que Eleni está grávida novamente.
O espectador desvenda pouco a pouco o caráter daquele homem. O ritmo impecável do roteiro impõe uma escalada de emoções e, quando percebe, o espectador se vê nocauteado na poltrona pela violência física e psicológica que se apresenta, nua e crua.

O que Avranas consegue com este filme é mostrar o peso das relações de poder. "Esta menina é como um símbolo de muitas crianças da nossa época, que são forçadas a se submeter à regras de uma sociedade implacável, dura e sem esperanças, e passam a revelar todo tipo de exploração possível promovida em um sistema que muitas pessoas ainda chamam de família", remarca o diretor.

Suicídio, pedofilia e prostituição infantil. Quem assistir à Miss Violence sairá dos cinemas com o estômago embrulhado, no mínimo. Mas ao deixar de lado a sensação ruim que o tema pesado deixa, fica evidente a qualidade inquestionável da direção, do roteiro, da fotografia, das atuações... Não é à toa que a obra ganhou o Leão de Prata e o Copa Volpi de Melhor Ator para Themis Panou, no Festival de Veneza, e vários prêmios nos festivais de Cinema Helênico, de Montreal e de Estocolmo."

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