O tiro no pé milionário da Apple ao dar de graça o novo disco do U2

Tim Cook, CEO da Apple, e o U2 no lançamento do iPhone 6
, DCM

"Steve Jobs gostava de dizer que as pessoas não sabem o que querem até que você mostre para elas. Na semana passada, a Apple levou esse mandamento até o limite da irresponsabilidade.

A ideia era supostamente genial. No lançamento do iPhone 6 e do relógio da marca, a empresa anunciou que o disco novo do U2, “Songs of Innocence” estaria baixado de graça para todos os seus clientes — ou seja, aproximadamente 500 milhões de contas do iTunes.

Calcula-se que 2 milhões de pessoas tiveram o download automático em contas configuradas para isso. E muitas delas não gostaram nem um pouco.

A reação foi barulhenta. As redes sociais se encheram de gente reclamando do que chamaram de “ataque agressivo de marketing”. Um sujeito falou que preferia ter sua comida envenenada no Natal. Outro, que teria de purificar seu iPhone com fogo.

Nem todo o mundo percebeu que as músicas estavam em seus aparelhos. Quem viu e tentou se livrar teve problemas. O “vírus U2” não podia ser apagado do iCloud.

Há dias, a Apple liberou uma ferramenta especial para apagar o arquivo, numa espécie de admissão de que cometera uma bobagem. Havia distribuído um spam.

Para um crítico, o episódio é um alerta de que, no iTunes, “o consentimento e o interesse não são mais pré-requisitos para ter um álbum, apenas a vontade de uma corporação”.

Bono, a Marina Silva do rock, escreveu uma carta aberta. “Parte do DNA desta banda sempre foi o desejo de levar nossa música ao maior número de pessoas possível”. Ok, só faltou lembrar que nem todo o mundo quer ouvi-los.

A experiência foi comparada ao que o Radiohead fez com “In Rainbows” em 2007, em que você pagava o quanto considerava justo pelo download. Virou um marco.

, é bem diferente. Bono faz fotos com crianças etíopes, mas não é bobo. O U2 teria embolsado, segundo o New York Times, 100 milhões de dólares. Se 2 milhões baixaram automaticamente a obra, a Apple pagou 50 dólares por unidade, um preço absurdo para qualquer disco, especialmente dos quatro irlandeses.

Há, talvez, um certo mau-humor. Afinal, é um presente na faixa. Mas é preciso levar em conta que foi algo empurrado goela abaixo numa transação milionária. E tem a questão do grupo escolhido.

Embora o U2 lote estádios com shows pirotécnicos, os dias de glória dos quatro rapazes de Dublin estão muito distantes. É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um jovem reconhecer Bono, Edge e os outros dois caras.

O disco?

A mesma lenga-lenga de sempre. Bono a plenos pulmões, dando lições de vida, messiânico. Vários coros “O-O-O-O-O”. Edge, o guitarrista, em sua enganação paquidérmica. Não sabe fazer acordes, não sola, mas passa tudo isso por uma parede de computadores e pedais de efeito que só deixam claro que ele não sabe fazer acordes e não sabe solar. Adam e Larry não dão um Ringo.

“The Miracle (of Joey Ramone)” resume a coisa. É uma homenagem ao líder dos Ramones. “Ouvi uma canção que fez sentido neste mundo”, canta Bono. É o antitributo: onde os Ramones eram gênios da simplicidade, o punk em sua quintessência, o U2 é grandiloquente, pretensioso, estupidamente chato.

“Nós estamos colaborando com a Apple em algumas coisas bacanas nos próximos anos, inovações que vão transformar a maneira como a música é ouvida e vista”, escreveu Bono.

É difícil que, depois desse fiasco, essa sociedade não tenha sofrido um abalo. Se não sofreu, bem, considere-se avisado."

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