Da primeira ficção científica à 'água em Marte': de onde vem nossa atração pelo Planeta Vermelho

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"Enquanto a maioria de nós olha para o céu e se pergunta sobre a quantidade de estrelas ou a distância que nos separa delas, outros divagam sobre a existência de vida lá fora e como esses seres seriam.

 
No século 2 d.C., o escritor Luciano de Samósata provavelmente se tornou o primeiro a criar uma obra de ficção científica. Em Uma História Verdadeira, ele leva seus heróis a uma viagem à Lua, onde eles chegam depois de serem içados por um redemoinho que dura sete dias.

Ao chegarem ao satélite, nossos heróis se assustam ao ver homens galopando sobre abutres de três cabeças. Pouco depois, guerreiros chegam montados em moscas do tamanho de 12 elefantes. O rei da Lua e o rei do Sol estão em plena guerra pelo Universo.

Os antigos gregos criavam histórias para cada objeto que observavam no céu, a começar por seus deuses. Hélio, o deus do Sol, e sua irmã Selene, deusa da Lua, cruzam o firmamento em suas carruagens.

A ideia de pessoas vivendo na Lua não é exclusividade das culturas ocidentais. A História da Cortadora de Bambu, uma lenda japonesa do século 10, conta como uma linda menina é encontrada dentro de um bambu. Quando cresce, ela revela que veio da Lua e precisa voltar para lá.

Bonzinhos e malvados

Filmes como 'Marte Ataca!' mostravam marcianos como seres sádicos

Mas a Lua é apenas o começo da nossa inspiração extraterrestre. Como Marte é visível a olho nu, o planeta logo capturou o imaginário de astrônomos e artistas. Sua cor vermelha remetia a conflitos e ele recebeu o nome do rei romano da guerra.

A natureza guerreira de seus habitantes era clara para o cineasta americano Chuck Jones, que apresentou o personagem Marvin, o Marciano no desenho Haredevil Hare, de 1948.

Talvez uma das melhores maneiras de saber se uma pessoa é otimista ou pessimista é perguntar o que ela acha dos alienígenas. Para o otimista, os alienígenas são E.T. (do filme de Steven Spielberg), Mork (personagem de Robin Williams no seriado Mork & Mindy) ou Spock (de Jornada nas Estrelas). Já o pessimista acredita que o espaço é lotado de Facehuggers (horríveis criaturas da franquia Alien) e dos mini-sádicos de Marte Ataca! (filme de 1996).

Marte passou a habitar nosso imaginário depois que Giovanni Schiaparelli apontou um telescópio para o planeta e passou a estudar sua superfície, em 1877. Ele observou leitos e calhas, que batizou de "canali". Um erro de tradução para o inglês criou uma enorme confusão: se havia "canais" em Marte é porque alguém os tinha construído.

As imagens produzidas por Schiaparelli fizeram algumas cabeças viajarem longe. Em 1881, um jornal chamado London Truth ("A verdade de Londres", em tradução literal) publicou uma notícias sobre uma invasão marciana. Mas só em 1893, a palavra "marciano" realmente pegou, por causa de Aleriel or A Voyage to Other Worlds ("Aleriel ou A viagem para outros mundos") de autoria do reverendo Wladyslaw Lach Szyrma.

Nela o venusiano Aleriel encontra marcianos que são vegetarianos, medem mais de 2,70 metros de altura e têm uma aparência de leão.
Em 1895, H. G. Wells começou a escrever A Guerra dos Mundos, criando uma imagem quase duradoura dos habitantes de Marte. Seus marcianos viajavam dentro de estruturas trípodes e eram "ao mesmo tempo vivazes, intensos, desumanos, aleijados e monstruosos".

Em 'Perdido em Marte', o 'marciano' é um astronauta da Nasa abandonado pelos colegas
Choque de realidade

Por todo o século 20, escritores, artistas, compositores e cineastas recorreram a nosso vizinho mais próximo como fonte de inspiração. A exploração de Marte e a invasão da Terra por marcianos foram – e continuam sendo – pratos cheios para a ficção científica.

O livro Perdido em Marte, de Andy Weir, foi um dos mais vendidos do ano passado, e o filme de Ridley Scott estrelado por Matt Damon, que estreia nesta quinta-feira, deve repetir o sucesso.

Talvez isso seja um sinal de nossos tempos, mais céticos, já que o único marciano na história não é um alienígena, mas sim um astronauta da Nasa que foi abandonado por seus companheiros de expedição e precisa tentar sobreviver em um ambiente que lhe é hostil por causa de sua própria fragilidade de ser humano.

Levamos tanto tempo para imaginar os marcianos, e nossa obsessão com eles sem dúvida levou a avanços científicos que H. G. Wells jamais teria imaginado.
Neste momento, uma equipe da Nasa está enfurnada em um laboratório de testes no Havaí para viver durante um ano em um espaço cujo teto tem 11 metros de diâmetro, com o objetivo de simular como seria a vida de um terráqueo em Marte.

E a notícia de que cientistas encontraram evidência de água no Planeta Vermelho alimentou ainda mais nossa animação com a possibilidade de encontrar vida por ali.

Mas quanto mais novos fatos descobrimos, menos temos conseguido imaginar.

Antes os escritores podiam povoar Marte com todo tipo de seres alienígenas.

Hoje, temos que mudar essas criaturas para planetas que sequer conhecemos para que uma ficção seja minimamente convincente.

Marte ainda exerce seu fascínio, mas certamente perdeu um pouco de seu mistério."

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