B.B. King: ninguém que viveu 89 anos foi uma pessoa só

B.B. King era capaz de deixar uma música subliminar no ar quando tocava a guitarra – Foto: Facebook 4/10/2014
"Em 1986, fui enviado pela “Folha de Londrina” para cobrir o primeiro show internacional da minha vida, a 389 quilômetros dali, em Curitiba, no Teatro Guaíra.

Do El Pájaro que Come Piedra

Era o bluesman B.B. King.

Peguei o busão de noite e de manhã estava na capital do Paraná.
Eu tremia como vara verde: não falava inglês e não tinha dinheiro para o almoço.

Haveria uma coletiva de imprensa (que não aconteceu), mas era por volta do meio-dia e eu fiquei andando pelos lados da Rua XV e tomando um café atrás do outro para enrolar. O hotel de King ficava na Avenida Getúlio Vargas – não lembro o nome, assim como também não guardei um recorte daquele jornal.

Lembro que o início do texto fazia menção meio óbvia a um hit da época, “Noite do Prazer”, do grupo Brylho. “A noite vai ser boa/ De tudo vai rolar/ Decerto que as pessoas querem se conhecer/ Se olham e se beijam numa festa genial/ Na madrugada a vitrola rolando um blues/ Tocando B.B. King sem parar.”

A velha e inseparável Lucille, guitarra do bluesman – Foto: Jotabê Medeiros
De lá para cá, vi mais de uma dúzia de shows do King, incluindo aquele com Etta James no Velódromo da USP (Universidade de São Paulo).
E o entrevistei diversas vezes.

Uma delas, em 2000, dentro de um trailer que ele mandou colocar na Alameda dos Jamaris, ao lado do Bourbon Street Music Club. Eu entrei e ele me apontou a cadeira ao seu lado. De bate-pronto, perguntei:

“Verdade que todos os bluesmen bem-sucedidos fizeram pacto com o Diabo pelo sucesso?”

Ele deu uma gargalhada e disse: “Todos os diabos que conheci tinham duas pernas”.

Um solo de B.B. King podia ficar ecoando na minha cabeça durante dias.
Ele parecia deixar uma música subliminar no ar quando tocava a guitarra.
Quem o via daquele jeito, velhinho e bonachão, achava que tinha sido sempre um vovô fofo.

Mas ele foi bandidão também, foi viciado em cocaína, foi preso, bateu, levou.
Em 1998, escrevi: “Ele tem 73 anos, 15 filhos, 15 ex-mulheres e faz cerca de 250 shows por ano. E não tem a menor intenção de parar.”
“Todos nós temos a impressão de que vamos durar para sempre”
Os agentes se referiam a ele como “o velho”.

Não gosto de fazer textos superlativos ou depreciativos sobre os que partem.
Tenho um pouco de vergonha de parecer oportunista.

Mas considerei que tinha uma dívida para com B.B. King.

Eu o vi dando uma masterclass para alunos de uma escola de música em São Paulo, e o vi leiloar guitarras para ajudar instituições de meninos.

Ao me possibilitar escrever sobre tudo isso, ele me engrandeceu também, meu emprestou um naco do seu prestígio. Somos esponjas do prestígio alheio.

Era um gentleman, um homem que aprendeu com a vida, não se tornou um crápula acumulador.

Nana me disse agora há pouco: “Ninguém que viveu 89 anos foi uma pessoa só”. Pura sabedoria.

King foi muitos, e sua música foi um bálsamo em todos os momentos de sua trajetória.

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