Tom Lamont, The Observer / CartaCapital
“Nas primeiras semanas de 2000, os
fundadores do Napster estavam em seu escritório acima de um banco em San Mateo, Califórnia,
avaliando números atordoantes. Algarismos rabiscados em um quadro-branco diziam
quantas pessoas ao redor do mundo tinham instalado seu aplicativo de
compartilhamento de arquivos e o usavam para “baixar” música dos computadores
de outros usuários. Como é narrado em Downloaded, um documentário que
deve estrear em breve no festival de cinema SXSW, contando a história de um
software que surgiu e se foi, agitando uma nova indústria de música digital em
sua passagem — o Napster tinha 20 milhões de usuários na época. A certa distância
de San Mateo, em um subúrbio de Londres, eu acabara de me tornar um deles.
Tinha 17 anos e era dono de uma coleção de
música irregular de cerca de 20 álbuns, a maioria deles uma verdadeira vergonha
(“How Bizarre” de OMC, a trilha sonora de Grease 2). Um dia eu tive
acesso liberado ao computador da família e, por motivos que esqueci, uma
necessidade de ouvir o número orquestral brega do filme Austin Powers.
Eu era um usuário modelo do Napster: equipado com Internet, impaciente e de
modo geral ignorante dos detalhes éticos e jurídicos do compartilhamento de
arquivos entre pares (peer-to-peer). Instalei o software, pesquisei a
vasta lista de arquivos MP3 do Napster e logo tinha “Soul Bossa Nova” pingando
kylobite por kylobite em meu disco rígido.
“É difícil descrever para as pessoas… a quantidade de material que subitamente estava disponível”, diz o guru da tecnologia John Perry Barlow para Alex Winter, o diretor de Downloaded, em seu novo documentário. Falando comigo ao telefone, dos Estados Unidos, Winter acrescentou: “Não houve um crescendo. Não houve transição. Foi como aquela famosa cena de 2001: Uma Odisseia no Espaço, quando o macaco pré-histórico atira um osso para o ar e ele se transforma em espaçonave. O Napster foi um ridículo salto à frente”.
Eles têm razão, foi sísmico. Eu fiz parte da geração que cavalgou a web. Quando chegou a Internet, em nossa adolescência, ela foi bem-vinda, excitante e penetrante, mas mudou as coisas rapidamente e às vezes de modo conflitante. Música era algo que você comprava depois de um longo debate com amigos nos corredores da Our Price, mas então, de repente, as canções podiam ser acessadas em casa. Não custavam nada. Nós fomos iludidos de propósito, provavelmente, sobre os detalhes exatos desse último ponto.
Eu perguntei a colegas de idade semelhante de que eles se lembravam sobre a chegada do Napster. “Da excitação”, disse um deles, cujo primeiro download foi de Smashing Pumpkins, “mesmo escutando a música pelos pequenos alto-falantes do computador de minha mãe”. Outro tentou rapidamente garimpar a lista de discos de Marlena Shaw e “não podia acreditar que funcionava”. De minha parte — saqueando os singles de Artful Dodger, de Semisonic –, lembro-me de realmente olhar por cima do ombro, desconfiado. Como isso era possível? Era como se a porta do cofre de um banco tivesse sido deixada aberta, sem guardas à vista.
Tirar música da Internet antes do Napster era confuso e inconfiável — como alguém comenta em Downloaded, “uma enorme encheção de saco”. Winter diz que tinha “amigos que passaram 14 horas tentando extrair uma canção dos Butthole Surfers offline. E não dava certo. Então eles tentavam de novo. E falhava”.
Por volta de 1998, alguém com o nome de usuário “napster” revelou para os participantes de uma sala de bate-papo na Internet que estava trabalhando em um software para resolver o problema. Ele permitiria que as pessoas mergulhassem nos discos rígidos das outras e compartilhassem seus arquivos de música MP3 (criado em meados dos anos 1990, o MP3 havia se tornado o formato predominante para áudio digital na emergente era da Internet, e basicamente continuou sendo).
No bate-papo, as pessoas zombaram. Compartilhar? Por que alguém faria isso? Mas Sean Parker, um aspirante a empresário, gostou da ideia. Ele tinha 18 anos, era magro, com cabelos ruivos penteados com gel e uma tendência a olhar para o chão enquanto falava. Parker sugeriu que eles colaborassem e ele se encontrou com “napster”, ou Shawn Fanning, pela primeira vez em pessoa. Fanning era um ano mais moço, um rapaz sério de Massachusetts que raspou a cabeça por causa do cabelo crespo, ou nappy, que lhe valera o apelido.
O termo Napster passou, é claro, para o software que Fanning estava codificando. Trabalhando em um PC emprestado no escritório de seu tio em Massachusetts, ele dormia em um armário de utensílios, para conduzir sessões de programação que duravam dias. Fanning teve o produto pronto na primavera de 1999. Enquanto isso, Parker havia conseguido US$ 50 mil com investidores e a dupla se mudou para a Califórnia. Amigos do bate-papo foram contratados como funcionários e o Napster foi lançado em maio de 1999. Em outubro tinha 4 milhões de canções em circulação. Em março de 2000 — quando eu já havia sifonado algumas centenas daqueles 4 milhões –, a comunidade Napster tinha mais de 20 milhões de membros.
Então os diretores das grandes gravadoras se reuniram em uma cúpula nos escritórios em Washington da Associação Americana da Indústria de Gravações (Riaa na sigla em inglês). Os executivos foram encorajados a jogar um jogo que se chamava informalmente Contenha o Napster — em outras palavras, encontrar pelo menos um de seus novos discos que não estivesse sendo compartilhado online. Todos ficaram apropriadamente aterrorizados e uma ação foi aberta contra o Napster por violação de direitos autorais.
O primeiro ano do novo milênio foi o primeiro a registrar uma queda nas vendas globais de discos. Isso assustou as gravadoras, e em pouco tempo usuários individuais do Napster também estavam sendo processados, cerca de 18 mil ao todo. Alex Winter me disse que enquanto fazia seu documentário conheceu uma mulher que, mais de uma década depois, ainda estava envolvida em uma ação de milhões de dólares, porque certa vez usou o Napster para baixar 26 canções.
“O mundo tinha mudado [por causa da Internet] e jamais voltaria atrás”, diz Winter. “Bem, eu tenho um problema para pensar em preto-e-branco quando se trata de grandes mudanças culturais. As pessoas na época diziam: ‘Para mim está bem pegar tudo o que eu quiser. Acostume-se, vovô!’ E do outro lado elas diziam: ‘Isto é pirataria e você é um criminoso’. Acho que nenhum deles estava certo. Com o Napster havia uma enorme quantidade de coisas obscuras.”
Os adversários não viam isso. O litígio contra o Napster veio de todos os lados. A Riaa processou, assim como a Metallica e Dr Dre. As batalhas em tribunais se arrastaram muito depois que Parker, milhões de usuários e o próprio Fanning deixaram o Napster para trás.
Rápido! Arranje um computador! Houve um fim de semana em fevereiro de 2001 que pareceu os últimos dias de Roma. Nos tribunais americanos, um juiz havia decidido a favor da Riaa no caso da violação de direitos autorais, e o Napster recebeu ordem para começar a cobrar ou fechar totalmente. Havia 48 horas de música grátis restantes, e eu me lembro do pânico, tentando pensar nas faixas que eu queria vagamente (Pure Shores, Bound 4 Da Reload) mas ainda não tinha baixado (Wild Wild West, Mi Chico Latino). Haveria tal oportunidade novamente algum dia?
Nessa altura, o número de canções individuais no meu disco rígido já havia superado enormemente o dos CDs que eu possuía. Eu não vinha usando o serviço de modo organizado, para completar uma coleção de música exaustiva — como Winter tinha feito, por exemplo. Ele tinha 30 e poucos anos naquele fevereiro maníaco, e lembra que usou vários PCs para conseguir qualquer raridade de Coltrane que ainda não tivesse.
Minha abordagem sempre foi mais de uma varrida geral de supermercado, e assim eu tinha formado uma curiosa miscelânea de faixas individuais. Em uma idade em que eu deveria ter tido um encontro cataclísmico com um álbum como “Blood on the Tracks”, eu procurava apenas uma canção de Dylan, “The Man in Me”, porque a ouvira em um filme, com bom efeito. Muito ocasionalmente eu era ajudado a descobrir uma banda ou artista estrangeiro (lembro-me de acidentalmente conseguir um cover de “Creep” do Cure, esperando Radiohead, e pensar: “Ei, esse Robert Smith é legal…”), mas de modo geral minha apreciação da música era mínima. Quando você podia baixar obras em milissegundos, não se criavam vínculos. Ser livre significava não investir.
Minha experiência não foi típica. Aquele colega que baixou tudo de Marlena Shaw me disse: “O Napster expandiu enormemente meus horizontes musicais. Eu me senti como um daqueles camarões com três olhos”. Outros usaram o Napster para experimentar antes de comprar, algo que um porta-voz da companhia salientou quando a questão do compartilhamento de arquivos foi levada a uma comissão de análise do Senado em 2000: “Uma série de estudos mostra que os usuários do Napster compram mais discos em consequência de usar [o programa]“.
A questão foi discutida nos tribunais. Os compartilhadores de arquivos estavam realmente errados? E o Napster? Nem um único MP3 era armazenado em seus servidores; o software simplesmente permitia que os usuários baixassem uns dos outros. De qualquer modo, não era bom que tantas pessoas, 57 milhões no auge do Napster, estivessem excitadamente procurando música online?
Alguns músicos achavam que sim. Wyclef Jean queria que sua música fosse escutada, fosse como fosse. Chuck D achou que o compartilhamento de arquivos era o “novo rádio”. Billy Corgan dos Smashing Pumpkins estava resignado: “Não há como deter isso… Essa revolução já aconteceu”. Peter Gabriel até apoiou um software de compartilhamento próprio, mas o serviço, com o nada romântico título de WebAudioNet, não teve muito impacto.
No verão de 2000 o Napster havia se expandido drasticamente e cerca de 14 mil canções estavam sendo baixadas por minuto. Fanning era um astro, e foi procurado em uma conferência de tecnologia por dois desenvolvedores pouco conhecidos, Larry e Sergey, que lhe disseram como invejavam o que ele havia feito. Quando a revista Time estampou Fanning na capa, em outubro de 2000, o artigo interno declarou: “[Seu] programa está entre as maiores aplicações da Internet já criadas, juntamente com o e-mail e as mensagens instantâneas”.
Mas a verdade é que, para o Napster, a podridão terminal havia se instalado. Sean Parker fora silenciosa e dolorosamente expulso da companhia depois que se descobriu um e-mail em que ele se referia aos compartilhadores de arquivos como “piratas”, algo que os advogados da Napster sempre tomaram muito cuidado para negar. Colocado para fora, Parker pediu ajuda a Fanning, mas seu amigo estava tão temeroso e desiludido que apenas disse: “Você tem sorte. Pode ir embora e fazer outra coisa”. Em pouco tempo Fanning também saiu.
O Napster tinha perdido o pique. Sem leme, e perdendo relevância rapidamente, começou uma série de manobras fatais. Depois do fechamento ordenado pelo tribunal, os diretores flertaram com a ideia de reinstituir o compartilhamento de arquivos, mas com música que tivesse qualidade de rádio, baixa fidelidade. Eles deram de presente tocadores de MP3. Uma colaboração no Reino Unido foi anunciada com a Dixons, marca que nunca foi muito atraente, e quando a Apple estava pronta para lançar sua elegante iTunes Store na Grã-Bretanha o Napster tinha uma nova parceria — com os Correios.
Conforme a iTunes crescia, havia certa esperança, diz Winter, de que o Napster pudesse continuar como “a Pepsi para a Coca do iTunes”. Com essa finalidade, a marca foi comprada por uma série de corporações diferentes, cada qual esperando recapturar parte de sua atração original. Tarde demais — em 2006 o mercado de música digital, incentivado por Fanning e Parker, valia 560 milhões de libras, mas o Napster tinha menos de um milhão de usuários. Em 2008 os números deixaram de ser divulgados.
Uma sugestão intrigante é levantada em Downloaded de que o Napster não apenas foi um ralo para o dinheiro dos investidores, como só gerou receita própria vendendo camisetas. Fanning e Parker não parecem ter ganho dinheiro com ele, e ficaram com grandes dívidas legais junto com duradouras frustrações. “Ambos passaram muito tempo em queda livre depois do fim do Napster”, Winter me conta. “Eu acho que levaram muito tempo para reconhecer o que era realmente bom no que eles fizeram.”
Ultimamente eles prosperaram. Fanning fundou uma empresa de jogos, a Rupture, que vendeu por US$ 30 milhões. Parker se associou a Mark Zuckerberg nos primeiros tempos do Facebook e depois investiu no serviço de música Spotify. Hoje ele está bilionário, e em 2010 foi retratado como um conquistador esperto no filme A Rede Social. Não tão ruim.
“Eles eram como uma hidra, com duas cabeças”, diz Winter, que também teve certa experiência como parte de um número duplo. Quando ator, na juventude, ele interpretou Bill ao lado do Ted de Keanu Reeves nos filmes de Bill & Ted. “Eu posso me identificar com a fama precoce em uma parceria criativa, com a tensão que ela coloca em uma amizade. Mas tanto Fanning como Parker foram incrivelmente inteligentes. O que eles criaram aos 17, 18 anos… eles são visionários.”
De maneira egoísta, me alegro que o Napster tenha perdido a força no momento certo. Apesar de softwares semelhantes terem surgido depois, baixar música nunca mais pareceu tão livre. Quando o Napster fechou a torneira, eu tinha saído de casa para a universidade e conheci uma loja de discos em meu novo bairro. O pessoal de lá era impiedosamente bom para convencer pessoas ingênuas como eu de que valia a pena pagar pelo novo disco de Belle & Sebastian, e eu tardiamente comecei a considerar os álbuns como pacotes completos, a ser ouvidos do início ao fim, algo para se investir.
Exatamente quão penetrante foi o Napster, para uma determinada fatia de geração, ficou claro para mim alguns anos depois. Em uma longa viagem de carro pela Califórnia, coloquei um CD gravado em casa, na maioria de MP3 comprados legitimamente, com alguns velhos downloads do Napster. Havia três americanos no carro, e quando o grande hino da estrada, “Magic Carpet Ride”, de Steppenwolf, começou a tocar todos cantamos juntos — e também acompanhamos quando um pequeno defeito mecânico interrompeu o coro. Ninguém podia acreditar. Anos antes, em computadores a milhares de quilômetros de distância, todos tínhamos baixado o mesmo arquivo corrupto e conhecemos Steppenwolf com o mesmo salto.
O Napster teve legados mais fortes. Facebook, iTunes e outras gigantes digitais floresceram usando elementos testados ou inaugurados pelo software de Fanning. E o documentário de Winter deixa claro um autêntico lamento, hoje em dia, do pessoal da indústria da música porque o Napster não foi adotado. Mesmo enquanto um executivo se lembra dele como “uma emboscada… Pearl Harbor”, outros maldizem a pressa para esmagar uma comunidade online tão pujante. O fundador da Island Records, Chris Blackwell, lamenta o fato de que não houve um movimento formal para alcançar seus 50 milhões de usuários, no momento em que as vendas de CDs estavam caindo. A indústria pode estar lutando tardiamente para criar um modelo empresarial na era online, mas provavelmente perdeu uma oportunidade de fazê-lo há uma década.
Fiquei surpreso ao descobrir que o Napster perdura em 2013. Se você visitar seu site, saberá que ele foi adquirido dois anos atrás pelo serviço de assinaturas de música Rhapsody. Os usuários prospectivos são claramente avisados de que compartilhar arquivos é divertido, fácil e possível — sob diversos planos de pagamento. Enquanto isso, Parker e Fanning se reuniram. Hoje eles trabalham em um novo empreendimento, um aplicativo de videoconferência chamado Airtime, que busca reunir estranhos que têm interesses semelhantes. Um anúncio online imagina duas modelos, que são reunidas porque são fãs de Skrillex e do filme Inception, e se tornam grandes amigas. Outros novos conhecidos são mostrados solucionando juntos o cubo de Rubik e fazendo um dueto no violino.
Seria realmente mais estranho que dois adolescentes, durante alguns meses caóticos, ensinando a Internet a compartilhar?”
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