"A cultura pode se alinhar às mobilizações"


O diretor Zé Celso durante ensaio no Oficina,
onde acontece a reunião nesta segunda-feira
Foto: Jennifer Glass / Divulgação Oficina

"Para Ney Piacentini, do Instituto Internacional de Teatro, cultura deve ter destaque nas transformações do país. Nesta segunda, ato no Oficina de Zé Celso trata da questão”

Paloma Rodrigues,  CartaCapital

O papel da cultura diante das manifestações populares será alvo de debate nesta segunda-feira 8. O Teatro Oficina promove o ato Cultura Atravessa, uma reflexão sobre as funções da cultura e seus impactos dentro da sociedade brasileira. O presidente do Instituto Internacional de Teatro (filiado à Unesco), Ney Piacentini, que participa da organização do ato, fala a CartaCapital da organização da classe cultural no Brasil e de como os artistas precisam de posicionar com os trabalhadores nas lutas que tomam às ruas. "O artista é um trabalhador como qualquer um. A cultura precisa se alinhar ao povo, porque o povo é a vanguarda de qualquer sociedade", diz ele. Membro do Conselho da Cidade de São Paulo, Piacentini fala da posição da cultura diante do movimento pelo passe livre e nas suas pautas específicas, como a revisão da Lei Rouanet.

O ato público acontece às 20h, no Teatro Oficina, que fica na Rua Jaceguai, 520, Bela Vista – São Paulo, SP. Também participam da organização o Centro ITI Brasil (Instituto Internacional de Teatro ligado a Unesco), Associação Brasileira de Documentaristas (ABD), Cooperativa Paulista de Música, além das companhias teatrais Antropofágica e Ocamorana.

CC: O ato de segunda-feira é uma proposta de reflexão para o papel da cultura dentro da sociedade brasileira. Como você vê esse papel?

NP: A cultura está contribuindo de forma consistente neste processo. Sou conselheiro da cidade, assim como outras pessoas ligadas à cultura como o [ator e presidente da Cooperativa Paulista de Teatro] Zé Celso, o [jornalista] Eugênio Bucci e o [filósofo] Vladimir Safatle. Participamos ativamente de todos os debates, desde o início da discussão por melhorias no transporte público. Queremos amalgamar o conjunto cultural para estar presente. Temos pensamentos diferentes a alguns setores da sociedade. Não achamos que a sociedade está só insatisfeita, mas que ela evoluiu nas últimas décadas de modo a acreditar que pode ir às ruas reclamar seus direitos. Eles querem cidadania. Eles pagam seus impostos, mas em qualquer país decente do mundo as pessoas pagam impostos. A nossa educação virou universal. O nosso voto eleitoral é um padrão mundial. Então, o cidadão comum quer é que os políticos respondam ao seu direito de cidadania. E nós estamos querendo reunir o mundo da cultura para se alinhar às linhas progressistas atuando no Brasil.

CC: Como a cultura está posta no cenário político atual? As políticas públicas para a cultura estão marginalizadas diante das outras demandas?

NP: Ela evoluiu muito. A gente não pode negar que a cultura entrou na cesta básica do brasileiro. Mas ela ainda é uma migalha e ainda se tem uma visão de cultura como um artigo supérfluo, de luxo. Precisamos entender que, se tivermos uma cultura sólida, as pessoas serão mais saudáveis e economizarão em remédios e cirurgias, os professores vão se estressar menos em sala de aula, a marginalidade pode cair - o jovem do Morro do Vidigal que faz parte do "Nós do Morro" não está ligado ao tráfico. A economia da cultura, para nós, é isso. A ONU diz que pra cada dólar investido no futebol, voltam cinco. Acreditamos que o cálculo na cultura é o mesmo. Podemos contribuir para o PIB de maneira pesada. Não com dividendos financeiros do mercado cultural. Para nós, isso é uma ponta do processo. Não podemos nos ater ao entretenimento baseado no mercado cinematográfico do hemisfério norte e em uma produção nacional baseada na Globo Filmes. Quando um grupo de Belo Horizonte faz uma apresentação de rua pra duas mil pessoas gratuitamente, a criança, o adolescente e o adulto que vê aquilo sai transformado dali. É a cultura como mediadora e interlocutora das emoções, dos sentimentos e da tolerância. Ela atravessa toda a sociedade.

CC: De que maneira você acha que a cultura pode intervir nas manifestações populares?

NP: Nesse processo, a cultura pode se alinhar às mobilizações. Nossa proposta para segunda-feira é refletir sobre isso: como podemos nos alinhar? A gente ainda não disse a que veio. Podemos nos alinhar, por exemplo, de maneira a promover expressões artísticas nos atos. Transformar as manifestações, que já são pacíficas, em algo estético. Pode ser que surja uma proposta da cultura para o fundo social do pré-sal, afinal, o pré-sal é uma riqueza do solo brasileiro e pertence a todos nós. Podemos levantar a bandeira da reforma da Lei Rouanet, pedir para que o que for para os Itaús Culturais vá no mesmo valor federativo para o Fundo Nacional da Cultura, porque a reforma tem que ser na base. Vivemos um momento histórico para o Brasil. O artista é um trabalhador como qualquer um. A cultura precisa se alinhar ao povo, porque o povo é a vanguarda de qualquer sociedade.

CC: Como você vê a atuação do Ministério da Cultura?

NP: A atuação do Ministério da Cultura é pífia, quase nula. Já no governo Dilma, a gestão da Ana de Holanda foi sofrível. A melhor sugestão do Gilberto Gil e do governo Lula foram os pontos de cultura e ela deixou de olhar pra isso. Ao tentar regularizar as contas dos pontos de cultura, ela bloqueou o direito da população de produzir cultura. Ela poderia olhar pra trás e pra frente. Por acaso as empreiteiras todas estão com as contas em dia? O agronegócio não está sempre renegociando dívidas com o BNDES? É um disparate, um rigor excessivo do tribunal de contas, que faz vista grossa para um monte de setores e na cultura cobra item por item. A Marta Suplicy ainda não disse que veio. Ela é uma ministra que eu respeito muito, fui vice-presidente do Conselho Municipal de Cultura na gestão dela em São Paulo e fizemos muitos projetos saudáveis. Então ela tem um laço com a cultura. Mas até agora o ministério dela só discute com os empresários. Acredito que ela tenha que mudar o olhar dela. Ela foi eleita senadora pelo povo – eu duvido que os empresários tenham votado nela. Então ela tem que se abrir ao diálogo.”

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