“Por trás
do “trash” e “non sense” da produção independente atual esconde-se um submundo
místico-esotérico-religioso da subliteratura da cultura de massas
contemporânea. Uma espécie de “sub-zeitgeist” formado por toda uma literatura
de HQs, magazines, filmes B sci fi, horror e fantasia com elementos heréticos e
gnósticos. O filme “Ultrachrist!” (2003) é um flagrante exemplo: Cristo como um
super-herói que oferece a autodivinização para o homem superar o medo e a
sedução.
A professora de crítica literária da University of California at Berkeley Victoria Nelson em seu livro “The Secret Life of Puppets” (Cambridge: Havard UP, 2001) descreve “a estranha história do Fantástico norte-americano”: de um lado a formação da “religião americana” (a espécie de uma “auto-divinização através de um encontro pessoal com o Sagrado) e, do outro, o desenvolvimento de um “sub-zeitgeist” místico, religioso e sobrenatural formado por toda uma literatura de HQs, magazines, pulp fictions e filmes B sci-fi, horror e fantasia.
Enquanto na Europa o desenvolvimento do fenômeno religioso e do Fantástico sempre esteve associado a filósofos, teólogos e às grandes manifestações artísticas literárias de vanguarda (Romantismo, Gótico, Expressionismo etc.), nos EUA, ao contrário, desde o início se associou a formas culturais populares: das narrativas puritanas do século XVIII, passando pelas notíciais bizarras e sensacionais em magazines e livros de bolso do séc. XIX até a subliteratura de massas da indústria do entretenimento do séc. XX.
Esse duplo aspecto da histórica da religião e do fantástico nos EUA (autodivinização e “sub-zeitgeist”) estão presentes nesse filme, onde Cristo (Jonathan C. Green) retorna para a Terra 2000 anos depois, encontra um marqueteiro que lhe prova que pregar o evangelho tem tudo a ver com Marketing e, inspirado nos super-heróis japoneses, transforma-se em Ultrachrist! (assim como Ultraseven e Ultraman)
O filme começa com uma cena ao estilo “O exterminador do Futuro” com Jesus aparecendo nu em um beco na cidade de Nova York envolto por luzes e fumaça. Descobre pelo jeito mais difícil que as coisas mudaram no ano 2000 e a sua mensagem cai em ouvidos surdos. Conhece uma atraente costureira, Molly (Celia Montgomery) que lhe ajuda a arrumar um apartamento que passará a dividir com um casal de lésbicas (“todo amor é igual diante dos olhos do Senhor”, diz em aprovação).
Molly cria um traje de super-herói com elastano, capa e sandálias. Ele toma as ruas de Manhattan, se autodenomina Ultrachrist e ganha o respeito dos pecadores e espaço na mídia. Com uma impagável referência ao “Exterminador do Futuro”, seu campo visual se assemelha a uma tela onde nos cantos aparecem as informações sobre qual mandamento o pecador está infringindo. “Autua” o pecador e o faz acreditar ser ele seu “salvador pessoal”.
Seu jeito nada ortodoxo de pregação (principalmente a roupa em elastano) desagrada seu Pai que envia para a Terra um anjo interventor. Do outro lado, o Diabo (encarnado na figura de um administrador público de parques e jardins em Nova York) se enfurece com toda a pregação de Cristo que lhe atrapalha os negócios com o tráfico de cocaína: o número de viciados diminui e as vendas nos parques da cidade entram em colapso. O Diabo tem um plano: convoca para derrotar Ultrachrist os “maiores pecadores da História”: o romeno Vlad - o Empalador, Hitler, o ex-presidente Richard Nixon e... Jim Morrinson do The Doors, morto de overdose em 1971.
Cristo acaba fazendo um acordo com o seu Pai. Se ele conseguir converter metade da juventude do mundo em três dias, então poderá continuar a pregar a Palavra como Ultrachrist. Decide que a melhor forma de divulgar a sua pregação em larga escala é através de um show beneficente no Central Park.
Portanto, Cristo está entre dois regimes de poder: o de Deus com uma personalidade tal como a demonstrada no Velho Testamento – punidor e intolerante e, do outro, o Diabo controlando um regime de poder baseado na sedução e prazer.
Cristo: entre a sedução e o medo
Com heresia descarada e uma atmosfera de humor propositalmente trash (filmado em DV) e Jesus Cristo com um caricato sotaque judaico, essa comédia independente mostra um Salvador que não vem salvar a Humanidade.
Cristo quer que o aceitem como um “salvador pessoal”. Tática de marketing aprendida logo no início do filme que é tão repercutida pelo marketing evangélico atual: Cristo salva não a humanidade, mas você! O discurso sai das abstrações teológicas para encontrar o pecador concreto, individual. O filme consegue ironicamente apresentar esse primeiro elemento da autodivinização da religião não só americana, mas midiática: a crença em um salvador pessoal, a oração como um canal íntimo de comunicação com Deus e a salvação através de uma ética individualista.
Mas Jesus/Ultrachrist não está satisfeito. Percebe
que na verdade os pecadores não estão realmente arrependidos, mas temerosos de
irem para o inferno. Deixam de pecar não por virtude, mas por medo. Percebe que
está apenas reproduzindo o regime do medo instituído por Deus, seu Pai, no céu.
O filme insere na narrativa essa heresia
gnóstica ao apresentar Cristo como uma divindade que começa a ter simpatia pela
espécie humana enquanto vê o próprio pai como um Demiurgo que sustenta uma
pesada e injusta estrutura hierárquica de dominação e controle.
Como, então, buscar no homem uma ligação
com a Divindade através unicamente da virtude? Nesse ponto “Ultrachrist!”
aborda o segundo elemento, e mais sério, da auto-divinização: buscar no
interior do próprio homem a Divindade. Cristo verá no show final no Central
Park a chance de pregar a sua gnóstica verdade: a propriedade da cura
através do amor e do próprio sexo: que devemos desfrutar do corpo que Deus nos
deu.
Cristo tem esse insight em uma hilariante
luta contra Jim Morrinson em um bordel e decide que o sexo é sagrado, pois Deus
deu o corpo “ao homem, à mulher, à dominadora e nossas lésbicas”.
Assista:
Um comentário:
south park:humor com polêmica!este filme:polêmica sem nenhum humor.saibam a diferênça.
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